Quarta, 19.
Oscar
Wilde L´impertinent absolu é
um acontecimento numa Paris um pouco pobre de grandes títulos culturais. Foi com
emoção que recordei o escritor que conheceu em vida a glória e a sarjeta onde
veio a morrer na completa miséria sem, contudo, perder o humor que fez dele o
maior em aforismos e epigrafias. Dizia o autor de De Profundis mourir
aux-dessus de ses moyens. A exposição retrata uma vida repartida em duas
fases: antes e depois do julgamento e condenação por homossexualidade. A
Inglaterra do século XIX, sob o reinado de uma rainha intransigente, moralista
em público e o oposto em privado, está subjacente nos traços políticos e sociais,
nas leis e nas raízes que orientaram o seu reinado. Wilde, obedecendo a um
certo fatalismo que o fazia acreditar que algo estava em curso que o iria conduzir
à desgraça prosseguiu, contra os avisos de amigos e até do seu advogado, a
ofensiva ao marquês de Queensberry, pai de Alfred Douglas, dito Bosie, que o culpou
de uma vida dissoluta e ter arrastado o filho, um devasso, para o mundo
marginal. O processo é ganho pelo
sinistro marquês e Oscar Wilde vai passar dois anos na cadeia de Reading,
incomunicável, fechado na cela C33, e sujeito a trabalhos forçados desumanos
como era usual um pouco por toda a Europa desse tempo. Sai um farrapo. Abandona
o Reino Unido e refugia-se em Itália, a apensas dos amigos. Bosie segue-o,
chulando-o, continuando as cenas trágicas e arrastando-o ainda mais para a
miséria. De longe avista a oportunidade de refazer a sua obra em França e não
hesita em se instar em Paris, numa pensão degradante. Sem dinheiro, comendo do
que lhe dão, errando pelas ruas vestindo os farrapos que lhe cobrem o corpo doente.
Gide a quem pede ajuda, pouco faz por ele. A prova de que a intelectualidade
francesa o evitou, está no fim tristíssimo que foi o seu. A exposição foi
enriquecida por dois filmes-documentos: um de Robert Badinter, advogado e
legislador, a quem se deve a abolição da pena de morte em França, tratando do
problema da Justiça em geral; outro do seu neto Merlin Holland da personalidade
e da obra do avô. Advém que a justa homenagem do Petit Palais – não nos
esqueçamos que a monarquia inglesa até hoje não honrou o seu súbdito, nem pediu
desculpa à família pela hipócrita condenação – é uma bofetada na nação inglesa
e uma homenagem merecida a um ser humano de excepção, que pagou por todos os
vícios que se praticavam na Corte Vitoriana, no Governo, no Parlamento, entre
eles o da homossexualidade. S´aimer
soi-même, c´est se lancer dans une belle histoire d´amour qui durera toute la vie
– uma das suas divisas confirmada.
- Na peça de Nicolai Erdman a religião e o destino dos homens após a
morte são postos em questão. O actor principal, a dada altura, quando está
prestes a suicidar-se, dirige-se à plateia e pergunta: “Acreditam que há vida
depois da morte, acreditam em Deus?” A maioria dos espectadores respondeu não,
eu fui o único que respondeu oui – recordou-me esta manhã ao pequeno-almoço a
Annie.
- É sempre para mim um espectáculo divertido quando vou a um museu com a
Annie de canas, a Laure submersa noutro mundo e eu no meu passo de majorete. Não
é a brigada dos coitadinhos que chega, é a banda dos cómicos que se esgueira
por entre os infelizes padronizados que aguardam na fila para entrar.