Segunda,
24.
Hollande
esforça-se por ser ridículo. Sabe que a reeleição é uma miragem, mas tenta
manter-se à tona. Súbdito dos americanos, enfrenta Vladimir Putin que tem sido
mais lógico no ataque à expansão dos jihadistas na Síria. Detestando Donald Trump,
não deixo de estar de acordo com ele nos aspectos de ligação à Rússia que ele
anuncia. A este propósito, para os americanos já demos. Quem não se lembra da
sua intervenção na Líbia, Iraque, Afeganistão, Síria, para citar as mais
recentes. Entre Trump e Hillary, venha o
diabo e escolha. Como aqui em França, o povo anda dividido. Esquerda e direita
é sopa requentada do mesmo tacho. Marine Le Pen tem chances de ficar bem
colocada e se assim for é toda a Europa que vai tremer. Há tantos ao assalto do
Eliseu de tantos lados!
- Francis Vanoverbecque voltou a
convidar-me para almoçar. Repasto suculento, no forno, com uma bela crosta de
pasta tostada que guardava o segredo de uma vitela desfeita em ervas,
deliciosa, seguida de tábua de queijos, mille-feuille,
tudo servido com um excelente Bordeaux de 2013. No fim do ágape discutiu-se o
artigo de Emmanuèle Claude, La fim des
bordels, 1860 a 1960, partindo da afirmação de Proust: Papa m´a donné dix francs pour aller au bordel. A discussão foi
acalorada, comigo a combater o infatigável Francis que pretende haver um homo
em cada homem, na linha da Isabel que me dizia de olhos arregalados: “Os homens
são todos!” Com os ânimos mais calmos,
não sei a que propósito, citei Alain Danielou, irmão do célebre cardeal com o
mesmo apelido, e o seu excelente livro Le
Chemin du Labyrinthe, cuja última reedição há dois meses se esgotou em um
mês. Logo Francis, que conhece toda a gente, mostra-me fotografias ao lado de
Reza Pahlévi, com quem privou, assim como o pai deste, fotos de Khajuraho, das
esculturas eróticas dos Apesaras, Maurice Béjard, deste e daquele, impossível
de tudo reter. A conversa subia e descia de tom, consoante se falasse de
política ou de arte. A dada altura Francis, sai-se com esta, uma mão sobre o
meu ombro: “Tu est un homme parfait en tous sens!” Logo o meus amigos: “Fais
attention, Heldere!!”
- A chuva instalou-se. As árvores
despejam sobre as ruas lágrimas em forma de folhas. Há na atmosfera um perfume
terno que leva Paris de volta ao seu passado glorioso. O ruído dos carros
desceu, o clima inclinou-se à veneração dos pássaros que entoam o derradeiro
salmo de despedida antes de rumarem a outros ares, a outros mundos. Em redor
tudo é cinza, a morrinha cai sem barulho, como uma rede que fecha o espaço,
impregnando a terra de memórias ancestrais. O Sena parou surpreendido para
observar as margens e mais além os edifícios pardacentos projectados por Haussmann.
Caminho cabisbaixo pelos passeios largos atapetados deste mundo vegetal que
renasce todos os anos de cérebro aceso à recordação que se exprime sem descanso.
Uma multidão incessante cruza-se comigo, ignorando quem sou, que faço eu aqui,
que destino é o meu na cidade que a luz abandonou. As esplanadas, avançadas
sobre os passeios, com seus aquecimentos extravasam de gente. Paris recolhe-se,
embrulha-se no seu manto translúcido, todo de pequenas luzes cintilantes que
acendem e apagam à minha passagem. Deste lugar ao outro... (interrompido)