segunda-feira, outubro 17, 2016

Segunda, 17.

Ontem à noite fomos ver a peça Le Suicidé (Der Selbstmorder) do dramaturgo russo  Nicolai Erdman (1902-1970), representada pela companhia alemã Berliner Ensemble, gémea da Comédie Française. Traduzida do russo, representada na língua de Goethe, legendada em francês e levada à cena no teatro Gerard Philipe à cunha, não cabendo uma mosca mais, numa demonstração do interesse dos franceses pelo teatro. A peça dura para cima de duas horas (sem intervalo) e, devo confessar, o início arrasou-me pela constante atenção em ler a tradução que passava no toutiço do proscénio e o que se passava sobre as tábuas. Ainda por cima, quer os diálogos dos actores, quer a legendagem passavam a alta velocidade, pelo que me pareceu muito difícil a quem não soubesse o alemão, acompanhar os dois planos da representação. Apesar disso, a encenação de Jean Bellorini é sublime, as representações – particularmente a de Georgios Tsivanoglou em Sémione Semionovitch – magistrais. A companhia fundada por Bertolt Brecht, trouxe à cena doze actores de primeira água, que cumpriram com arte e saber a peça do infeliz autor marginalizado por Estaline por ser “politicamente falso e extremamente reaccionário”. Ostracizado, Erdman, viu-se obrigado a deixar Moscovo, em 1924, para regressar aos palcos e ao seu público e ver a sua peça publicada em 1987 quando da celebração da Perestroika de Gorbatchov. A obra espelha isso mesmo, com humor, numa construção trágico-cómica, com belos cantos russos à mistura, surrealismo, ritmo, loucura, desespero e absurdidade. Aliás quem melhor definiu a peça, foi o inteligente encenador: a comédia é “la tragédie qui se déguise”.  
Giorgius Tsivanoglou em Sémione Semionovitch