Quinta, 21.
Longa conversa com o escultor Virgílio
Domingues a propósito da pintura de Guilherme Parente. Ambos admiramos o
artista e, como tenho muita amizade pelo eminente professor, permiti-me tecer
algumas considerações sobre a pintura do nosso amigo comum. Disse-lhe que nunca
vi em nenhum artigo, crónica ou catálogo, a ligação da sua pintura à infância.
Guilherme é um ser misterioso, secreto, que vive num mundo à parte, numa
espécie de limbo feliz, que não desvenda a ninguém e só a sua pintura reflete. Falo
da cor, das formas, daquela invasão dos elementos pictóricos que inundam as
suas telas e são por si só um cosmos deslumbrante de modernidade. Só ele pinta
daquela maneira, só ele consegue misturar as cores com tal magia que a tela resulta
numa espécie de jardim da infância onde ele permanece eternamente abstracto ao
mundo visível e dramático dos nossos dias. Os seus elementos de ligação ao que o
comove, cerca, interpela são desagregados da sua função emocional para se
constituírem em uma superfície tangente ao rumor longínquo que o chama do fundo
do paraíso. Talvez o artista nunca de lá tenha saído, mesmo quando a vida o forçou
a acudir à trivialidade do ganha-pão, do convívio cínico, da palavra redonda
que aperta a consciência quando nela depositamos as ambições e a megalomania do
génio. A sua marca, a sua assinatura, corresponde à sua generosidade que só os
grandes possuem. Onde quer que esbarremos com as suas telas, imediatamente as
identificamos porque a sua assinatura ímpar reside numa forma poética de fazer
pintura. Ninguém em Portugal pinta como ele. Ele não se assemelha a nenhum
outro artista, nacional ou estrangeiro. Reina sozinho num mundo fabuloso que só
ele conhece os enigmas. Como Picasso, Modigliani e sobretudo Matisse.