Sexta, 26.
Anteontem estive todo o dia em Lisboa. Ontem
meti na cabeça que tinha de aproveitar a tarde soalheira para me atirar ao
trabalho no jardim onde os acantos foram eclipsados pelas silvas e urtigas.
Trabalho minucioso devido ao perigo de sair com as mãos picadas ou cortadas
pelos picos que se escondiam no denso silvado. Como as minhas luvas já quase
não possuem dedos, a tarefa revelou-se arriscada e demorada. Para não falar na
dor de rins que trabalhos deste jaez provocam, ainda que desta idade não passarei
nem da morte escaparei.
- Convidei o Filipe para almoçar. Levei-o ao Block House, no Amoreiras,
onde se come muito bem, com atmosfera e calor humano impecáveis. O Filipe foi
meu criativo durante uns anos e é um rapaz porreiro e original, para além de um
profissional polivalente com ideias e métodos de trabalho que fogem à rotina
criativa. É também alguém com quem se pode contar e que persegue pelo estudo e
o número de maquetes a ideia que está subjacente à directiva do produto e do
seu targuet para falar como os
publicitários e os homens do marketing. Está mal aproveitado e infeliz na
agência onde trabalha e faz pena ver um artista e um ser humano daquele tamanho
perder-se na floresta dos oportunistas do ramo. Em equipa solta-se, só definha.
- Passei no Corte Inglês para comprar o jantar. Pelos altifalantes soube
que temos mais um escritor: Alexandre Patrício Gouveia que ali é gestor e dizem-me
que também comentador não sei em que canal. Os editores não se podem queixar:
nobéis não faltam. Talvez falte a Literatura, mas quem escreva encontra-se em
paletes por todo o lado. Nem é preciso concorrer ao prémio Leya. Ao senhor
Patrício Gouveia já só lhe faltava esse óscar que era ver o seu nome associado
à imortalidade da escrita. Parabéns. Mas acautele-se: as meninas e os meninos
tontos que se exibem nas televisões, passam-lhe a palma. Agora que o meu amigo
soube diversificar os seus negócios, ninguém o nega. Parabéns, uma vez mais. Tenho
a certeza que vai despromover Saramago, Vergílio Ferreira, Agustina, João
Tordo, Lídia Jorge, Rosário Pedreira e tutti
quanti, e com um pouco de talento, quem sabe, Pessoa e Camões. Hoje é tudo
uma questão de sorte, dinheiro, influências, traficâncias – e isso o meu amigo possuiu
para dar e vender. Olhe, sabe que mais, como sou seu amigo, aconselho-o a
seguir a estratégia de José Sócrates que nessa como em muitas outras matérias é
mestre: compre a edição toda e ofereça-a aos seus milhares de admiradores -
fica com a consagração no papo e não tarda será estudado nas universidades
portuguesas como o empresário de grande sucesso. Assim sem mais.
- Andava eu a magicar (há dias que não tínhamos notícia de um novo caso)
já com uma ponta de felicidade na dobra dos dias que, finalmente, do país haviam
sidos erradicados todos os políticos corruptos e que o pobre juiz Carlos
Alexandre podia agora dormir uma noite inteira sem os vampiros a rondar-lhe o
descanso, quando se apresenta outro ilustre togado, no caso procurador da
República, de nome Orlando Figueira, indiciado de vários crimes, iguais em
matéria e ganância aos demais, quero dizer, corrupção passiva agravada,
branqueamento de capitais e falsidade informática, mas com um pormenor que não
é de somenos importância – ligações criminosas ao vice-presidente de Angola. Seguiu
direito para Évora, não sei se para a cela 44, onde o esperam outros dirigentes
do mesmo prestígio e amor a Portugal e à causa democrática. É tempo de erguerem
uma estátua à porta do estabelecimento prisional ao insigne magistrado Carlos
Alexandre.