segunda-feira, fevereiro 08, 2016

Segunda, 8.
45 Anos do realizador Andrew Haigh é uma obra-prima do silêncio, do interdito, do íntimo na sua forma explosiva. Ao longo de uma semana vamos acompanhando o casal Charlotte Rampling e Tom Courtenay em duas representações magistrais. Nesses oito dias que medeiam o acontecimento que festeja os seus 45 anos de casados, há uma espécie de retorno ao passado que nos conta a história resumida daquela união e nos confirma que não somos nunca absolutamente transparentes – reservamos para o silêncio pleno do tempo muito entulho emocional e sexual que não gostamos de partilhar. Entre os dois há um permanente equilíbrio instável de que tira partido o realizador pela consistência das relações, a irrupção da paisagem, o rumor da aldeia próxima. Tudo filmado com a concordância íntima, os segredos que nunca se revelam completamente dos dois protagonistas, Geoff Mercer e Kate, peças separadas por uma relação antiga dele nunca esclarecida com ela. Quando a ruptura parece evidente, ele propõe-lhe recomeçarem do zero e fazerem do casamento de quatro décadas e meia a base de lançamento para uma vida nova. O discurso que faz no dia de aniversário é simples, comovente e honesto. No fundo, renova à mulher votos de amor que diz nunca ter deixado de sentir por ela. O filme termina ali, envolto num mar de lágrimas que o cinema, na sua maioria cheio de mulheres, não disfarça e a miúda que ficou ao meu lado não sustém e eu fico no limite. Mas o olhar profundo, inquietante, triste, onde vagueia um leve sorriso de Charlotte Rampling deixa escapar algo que não parece conformar-se nem esquecer o passado. O filme acaba por ser um Bergman aliviado da tortura paralisante de remorsos obsessivos.


         - Assisti ao filme no Corte Inglês. Há muito tempo que não ia ao cinema ao domingo e à noite. Foi como se tornasse à minha juventude irrequieta. Toneladas de gente à minha volta, uma agitação domingueira idêntica àquela que nos meus velhos tempos se vestia para ir à missa e depois, com a mesma indumentária, participava nos acontecimentos terrenos. Contudo, quando me pus a confrontar esse mundo de então com aquele que os meus olhos observavam, havia qualquer coisa de postiço – um recorte falso nos olhares, uma atitude altaneira no porte, um ar pequeno-burguês repugnante, uma falsa opulência que traduzia o novo-riquismo e o encobrimento de um mundo nos antíteses daquele que todos exibiam com despudor e inconsciência. Antes o ambiente era recatado, as pessoas falavam baixo, eram discretas; hoje a algazarra inunda corredores e espaços, ninguém parece ter controlo sobre aquele brouhaha mal-educado que atropela, invade, orgulha-se da má educação, oferece o abaixamento cultural e cívico. Dir-se-ia que a choldra substituiu o porte distinto, como se todo o mundo tivesse sido nivelado a partir da cave e o último andar fosse reservado aos poetas e lunáticos, aos ausentes e modestos, aos cultos e solitários. O pior desta sociedade dita democrática, é que pela força de todos quererem possuir tudo como um direito, a padronização alegre da sociedade caiu na mediocridade e na sabujice, remetendo para os antípodas civilizacionais o diamante cinzelado com gosto e arte que são todos aqueles e aquelas que recusam obedecer aos normativos conceitos da igualdade.