terça-feira, agosto 29, 2023

Terça, 29.

Num pequeno livro de Peter Handke, A Tarde de um Escritor, lido em 2012, sublinhei: “Ao isolar-me para escrever (há quantos anos já?) assumi a minha derrota como ser social; fechei-me aos outros para toda a vida. Mesmo que até ao fim eu continue a sentar-me com as pessoas – que me cumprimentam, me abraçam, me entregam os seus segredos – nunca pertencerei a elas.” Li estas palavras há instantes, quando subi à biblioteca de cima em busca de qualquer coisa que acabei por encontrar nas estantes aqui em baixo, e ao lê-las, sentado na cadeira em frente à janela com os vidros coloridos, disse para mim mesmo que nunca poderia aceitar viver sem os outros. Sou solitário, escolhi viver longe do ruído da cidade, mas estou e estarei sempre presente quando um amigo me chamar, uma revolta acontecer, a dor e o sofrimento requeiram a minha pessoa. Escrever é um acto solitário. Mas o que habita os livros é um imenso exército de seres humanos, feito de paixões, loucuras, mágoas e alegria! É nisso que assenta qualquer obra de arte – o resto é lixo. 

         - Por citações. Estou a terminar o volume V do Antigo Testamento (os Livros Históricos) e a páginas tantas, esta afirmação da mulher de Técua ao rei David: “Pois que pela morte morremos e seremos como água entornada no chão que não será apanhada. E Deus tomará uma vida e tomará isso em linha de conta quando ele rejeitar um rejeitado.” (2 Reinados. 14-14). Palavras que em verdade não são dela, mas de Joab nas disputas pelo poder, numa altura em que o rei David agoniza e Absalão quer tomar o lugar do velho rei que reinou em Hebron sete anos e em Jerusalém trinta e três anos. 

         - Jornada morna. Apatia. Cansaço. À parte leituras várias e três carradas de lenha recolhidas para debaixo do telheiro, regas e apanha de figos, não deixei este espaço nem para ir ao portão buscar o correio. Há quatro dias que somos acossados por um vento que vai e vem de rajada levando tudo na frente, deixando o chão de terra, varrido.  

         - Mais uma vez Sua Santidade o Papa deixou Putin a sorrir de felicidade e o Kremlin fala em palavras “muito gratificantes”. A Santa Sé diz que não foi essa a sua intenção, mas o que é certo é que louvar o imperialismo russo quando ele foi  praticado por czares e imperadores violentos e déspotas, não é a melhor forma de lutar contra a invasão da Ucrânia. Dizer que não se quer estar de nenhum dos lados, é aceitar que a guerra que Putin começou contra a Ucrânia, é legitima. Ou se quiserem, que o invasor foi a Ucrânia. José Milhazes volta depressa, estás perdoado. Põe os pontos nos iis e diz a esta gente ignorante quanto a destruição e o sofrimento de um país soberano e independente é obra  do nazi Vladimir Putin. Falar de paz sem especificar que tipo de paz e que tipo de fronteiras e territórios formam a paz, é fazer o jogo da Rússia.