sexta-feira, agosto 11, 2023

Sexta, 11.

Depois do exame oftalmológico, fiquei um bom pedaço de tempo a falar com o clínico. Falei-lhe do suplemento, à base de luteína, recentemente posto no mercado por cientistas gregos, que me tem feito muito bem. Ele foi à Internet pesquisar e não tendo encontrado eu disse-lhe que lhe enviaria foto. Mas acrescentei que não é bom procurar curas na Internet porque esta só nos traz tragédias. Perguntei-lhe se tinha detectado qualquer aspeto de glaucoma no olho esquerdo como suspeitava a médica que me observou há três meses e eu sabia nada ter. Disse que não. Tanto uma como outra vista estão perfeitas e sem problemas. Adiantei que só me queixo de ter de fechar o olho direito quando há muita luz e quando trabalho no computador. Deu-me várias explicações para o fenómeno, mas remeteu-me para a consulta marcada para o próximo mês. À saída atirou: “Você tem aspecto de quem tem cuidado com o que come e com a vida que leva.” “Como é que adivinhou?” Riu-se. Então eu respondi: “Sabe eu pratico a disciplina dos sábios: dormir o máximo, trabalhar muito, comer pouco, e evitar os médicos.” Forte gargalhada de quem não teria quarenta anos. 

         - Por vezes, sou convidado a escrever um texto para catálogo ou contracapa de livro. Foi o caso de segunda-feira de X. que não estava à espera o fizesse. Não me descompus e disse-lhe que precisava de ver o que necessitava do meu escrito e só depois diria se estou capacitado para o fazer. E porquê.  

         - Agradável dia o de ontem, não obstante o intenso calor. Estando em Caldas da Rainha, tinha forçosamente de abrir a primeira hora no seu encantador mercado na praça principal. A Alice e a mim, por convite dela, juntou-se a minha antiga camarada do Diário de Lisboa, a terrível Lurdes Féria. Muito fanada, com problemas de locomoção, mas de espírito vivo disposto a perseguir esta e aquele como o fez no jornal Independente. Pena que tivesse estacionado a vida nos Anos Sessenta. Dali fomos almoçar a casa da minha amiga, com vista para quatro hectares do célebre jardim que eu acho superior ao da Gulbenkian. Já lá vamos. Por agora estamos sentados no salão diante de um polvo salteado de grandes camarões, acompanhado de migas alentejanas e arroz de tomate, e vinho a condizer. Para a mesa, são despejadas apreciações políticas deste e daquele (a minha camarada diz que já deixou o PCP onde militou anos a fio), com particular ênfase em José Sócrates que é amigo dela e por isso perdoado de todos os roubos e fortuna conseguida sabe-se lá como. A dada altura deixei de rebater os seus entusiasmos partidários, embora a acompanhasse nos elogios a José António Seguro e ao seu ódio de estimação a António Costa que ela diz ser “o maior aldrabão”. Quanto ao actual ministro da Cultura, é mais condescendente porque o conhece pessoalmente, lá está, apesar de me dar razão que não é a pessoa indicada para o cargo e foi lá posto por abençoar e persignar-se diante do seu patrão.  A refeição terminou com um bolo feito com a folha da Ora-Pro-Nóbis – uma pequena árvore (Pereskia aculeata) que tomou este nome e ao que parece é bastante rara. 

Como raro é o jardim que percorremos a seguir ao lauto almoço. Todo construído pela Alice, só, trabalhando de sol a sol, com tenacidade e entusiasmo Uma parte sofre agora de seca e a minha amiga sofre com ele. Disse-lhe que abrisse um furo hertziano como eu aqui fiz logo que terminou a construção da casa. Ela diz-me que não tem dinheiro e, embora eu me propusesse emprestar-lhe o necessário, recusou por não querer endividar-se. Seja como for, o facto é que o labor praticamente de uma vida, pode ser devastado  e isso faz pena. É uma dor para ela e para as árvores, flores, arbustos, pontos de ligação florestal, recantos belíssimos onde apetece morrer naquela impressionante paisagem luxuriante em contemplação e paz.