segunda-feira, outubro 31, 2022

Segunda, 31.

Dizem os jornais que há milionários que se instaram neste oásis de desordem fiscal, e auferiram a tal esmola de 125 euros! Parece que nenhum recusou. 

         - Em compensação a vergonha de haver portugueses que por necessidade assaltam os camiões de distribuição de alimentos, porque o que ganham não chega para saciar a fome. No tempo da troika e da austeridade, nunca isto aconteceu. 

         - Prossegue o folhetim dos contratos feitos por certos autarcas que deram a ganhar milhares aos apaniguados e guardaram outro tanto. Chamemos-lhes contratos. Na realidade aquilo são autênticos saques ao erário público. Continuem com a ideia da regionalização e verão onde isto vai parar. 

         - Pesei-me: 64,7 contra os 63,1 habituais. Vou ter que me ocupar deste desastre. 

         - Ontem, depois da missa em Setúbal, regressado a casa, meti as mãos na massa e confeccionei para arquivo um prato de frango (perdão, os ricos dizem poulet), com batatinhas pequenas, chalotas e pedaços de marmelo. Uma delicia! Aconselho. Recolhi o resto das romãs. Como são tantas, como-as todos os dias em salada e sumo. Não é bela a vida?

         - Embora os dias passem à velocidade lenta da memória, o meu cérebro vive em permanente transumância. Penso muito em Virginia Woolf que se suicidou por não poder enfrentar os demónios que lhe obstruíam a mente. Na minha cabeça, sem descanso, atravessam-se factos, histórias (reais ou inventadas), cenas, episódios recriados que me isolam mesmo no meio das pessoas ou quando estou com amigos, ou como ontem durante a missa, me ausentei para recriar casos que no meu espírito vão acontecer e merecem antecipadamente ser estratificados. Quando acordo, tenho bem presente na minha mente uma qualquer história que decerto surgiu durante o sono e transitou de imediato para o momento em que abro os olhos e fico naquele átrio antes de a penumbra se abrir em luz e o dia banhar a realidade O curioso é que toda esta actividade mental, nada tem a ver com o romance porque esse constrói-se sentado á minha mesa de trabalho empurrado pelas personagens que se vão sucedendo. No Fertagus dou comigo a despir meio mundo. Quando vejo certos corpos, feios ou bonitos, imagino-os na cama a copular, a fazer coisas indecentes que apesar de para mim serem inconcebíveis, merecem ser recriadas. Toda esta actividade esgota-me, desmoraliza-me, e nem para passatempo serve. Porque não me fixo em nenhuma delas, voando por cima das imagens, acreditando que passei um bom ou mau bocado a encher os espaços da massa cinzenta da minha triste cachimónia. Uma estafadela.