quarta-feira, outubro 19, 2022

Quarta, 19.

Os chineses posicionam-se, a ganância económica ajeita-se. Assim Pequim namora pilotos da Royal Air Force britânica assediando-os com propostas tentadoras como no passado fizeram à França com o TGV, de forma a obter segredos técnicos e saber científico que eles não possuem, a que acresce no caso do Reino Unido informação confidencial da RAF. Entretanto, foram recrutados 30 pilotos para dar formação a pilotos da República Popular(?) da China. O Reino Unido diz que esta manobra é uma “ameaça aos interesses do país e do Ocidente”. A seguir.   

         - Assim se vai desmoronando o baralho de cartas da mentira e da propaganda barata do Governo. Anunciaram com pompa e circunstância o OE, mas, paulatinamente, vamos sabendo que os dinheiros ficam capturados, a burocracia fabricada expressamente para adiar os programas financeiros, as famílias aflitas, as empresas a fechar, o quadro geral de depressão a acomodar-se. Não tem muitos dias que o pároco e o sacristão apregoavam que dinheiro não faltava nos cofres do Estado; agora o discurso virou e a massa leiloada é afinal uns trocos que confirma o velho ditado: “Onde não há pão...”  

         - Depois de um para mim longo interregno, esta semana voltei ao romance. Estou a acabar de rever as primeiras 100 páginas e nelas encontrou de tudo um pouco: muita palha inútil, desarrumação gramatical, palavras repetidas, períodos demasiado extensos, algum desconexo e por fim, felizmente, muitos excertos impregnados de luz, criação e beleza. 

         - Tenho hesitado em expor aqui a carta de Vita endereçada a Virginia numa altura em que as duas ainda não tinham ido para a cama e a paixão entre elas crescia desordenada. Na década Vinte do século passado, na Inglaterra ainda mergulhada na herança puritana da rainha Vitória (que, por sinal, foi um pouco libertina, mas xiu!), quando, por exemplo, em França a liberdade sexual conhecia já uma dinâmica exponencial, que o diga Julien Green e Gide e Cocteau e Montherland e Lacretelle e Jouhandeau e Gertrude Stein e tantos outros, a relação entre as duas escritoras era, como direi, romântica, suave, a apalpar terreno, feita de pequenos avanços seguidos de recuos, longos estados de alma que deslizavam em apuros sentimentais, desejos carnais, ensaios doces que a literatura aconchegava, à sombra dos respectivos maridos. Decorria o mês de Janeiro do ano 1926 e a 21 desse mês, a aristocrata Vita Sackville-West está em Trieste numa das suas numerosas viagens, as saudades da escritora apertando:

Estou reduzida a uma coisa que deseja Virginia. Compus uma linda carta para ti nas nocturnas horas insones, de pesadelo, e desapareceu por completo: acontece que sinto a tua falta de maneira muito simples, humana, desesperada. Tu, com todas as tuas cartas não-mudas, nunca escreverias uma frase tão elementar como esta; talvez nem sequer o sentisses. No entanto, creio que serás sensível a um pequeno vazio. Mas revesti-lo-ias com uma frase tão refinada que ele perderia um pouco da sua realidade. Ao passo que comigo é perfeitamente claro: sinto a tua falta ainda mais do que podia crer; e estava preparada para que fosse muito. Por isso esta carta é simplesmente um verdadeiro grito de dor. É incrível como te tornaste tão essencial para mim. Suponho que estejas habituada a que as pessoas digam estas coisas. Maldita sejas, criatura mimada; não conseguirei fazer com que me ames mais expondo os meus sentimentos deste modo... Mas, oh, minha querida, eu não sou capaz de ser inteligente e reservada contigo: amo-te demasiado para isso. Com demasiada realidade. Não fazes ideia de como eu consigo ser reservada com as pessoas que não amo. Fiz disso uma arte refinada. Mas tu derrubastes as minhas defesas. E eu não levo isso a mal. Porém não te vou maçar com mais nada. A escritora vai de viagem e no final daquele dia e daquela carta, remata: Vamos partir de novo. Terei de esperar até Trieste, amanhã de manhã. Por favor, perdoa-me por escrever uma carta tão lastimosa. Ante isto: silêncio. Que o perfume do ar purifique as palavras e dê sentido ao amor. 

         - Chove. Choveu todo o dia chuva tangida pelas sombras da noite.