domingo, outubro 09, 2022

Domingo, 9.

Dia esplendoroso. Verdadeiro dia de hino à vida, a Deus que nos concedeu a graça de podermos conhecer esta Terra, esta manhã clara, aberta ao fausto imenso do céu limpo, do cântico dos pássaros, do brilho faiscante de luz que desce das alturas, abraça o silêncio murmurante das horas, e toma-nos num amplexo e nos fecha no horizonte-limite do universo. Tomo por uma graça divina poder olhar as árvores, beber do seu perfume, estender a vista até à linha de verdura densa, passado o mar de vinhedo, onde o campo dorme na pacatez dos dias abastecidos da beleza única da natureza. Iniciei a manhã com alguma rega e a apanha de um cabaz de marmelos.  

         - Falar de política numa atmosfera como esta é crime bem sei e, também, um desabafo que não me deixa apartado do que me rodeia e me enche de revolta e inconformismo. Todavia, vivendo isolado, de costas voltadas para o que parece entreter os meus concidadãos, indiferente-activo ao que me passa debaixo das minhas janelas, e é sinistro e imiscui-se e tolda as horas deste mar de solidão benfazeja; nem por isso renuncio ao direito a gritar contra todas as injustiças e políticas aldrabadas e facciosas, o poder a todo o custo. 

         Assim, o pobre homem da esquerda do Partido Socialista (pressupondo que existe uma direita, a ideia não é minha, mas dos seus camaradas), deixa-me incrédulo quanto à distância que se interpõe entre ele, ministro, e os negócios de calçado do pai, “grande empresário” no dizer da camarada também a contas com as incompatibilidades, a simpática e janota senhorita Ana Abrunhosa. O facto é que, para pôr em funcionamento qualquer corrupção ou interesse, o ser inconstitucional ou não, não vem ao caso. Os números e factos falam por si: em catorze anos, a firma do senhor dos sapatos, assinou 22 contratos com o Estado, 16 dos quais por ajuste directo e os restantes seis por concurso púbico, num total de 1.109.740,50 (a precisão é do jornal Público) euros! Nada mau. Mas... já o filhinho querido era ministro das Infra, etc. o paizinho, por ajuste directo, encaixou mais 19.110 euros, segundo o Observador. O Governo, bem entendido, diz que não existe qualquer ilegalidade. Portanto, foi tudo coincidências, talento do empresário que, sendo um expert, logo não precisa do filho para nada, invejas da concorrência. Apetece dizer: morde aqui a ver se eu deixo. Porque com os socialistas tudo pode acontecer. Eu costumo dizer que não conheço ninguém que mais goste de dinheiro que eles. Muitos dos meus amigos, estrangeiros e nacionais, dizem-se socialistas embora vivam com o mesmo à vontade dos ricos empresários americanos, russos ou chineses: caviar e champanhe todas as noites. E, francamente, isso até pouco importava se a ética, a seriedade, a honra, idiossincrasia dos processos governativos, estivesse na antítese do que acontece e não houvesse a procissão negra de socialistas a entupirem os tribunais... Mais uma vez: a ver vamos como vai terminar a governação de António Costa.  

         - Apetece-me transcrever a passagem do artigo do amigo António Guerreiro “Tão adoradas que são as famílias”. Escreve ele a dada altura: “É fácil encontrar uma razão, e essa razão já não tem um fundamento social, moral e religioso, mas é puramente económica: a referência às “famílias” e aos seus rendimentos é uma maneira de diminuir despesas orçamentais e de iludir as contas com que se confrontam os indivíduos (e já não as famílias) no seu dia-a-dia. Os indivíduos singulares, em número cada vez maior, que não são vistos nem achados nesta economia das famílias têm muitas vezes vontade de entoar aquele grito (mas agora com um sentido diferente) que André Gide lançou em Nourritures terrestres. “Familles, je vous hais!” Mas o ódio tem agora uma diferente motivação.” Juro que foi o notável jornalista do Público que explanou este sentimento e não eu...  

         - A joia da coroa do presidente da Rússia, a mais vigiada obra de construção do género, apareceu bombardeada e inoperante: a ponte Vladimir Vladimirovitch Putin, perdão, Kerch. Ligava a Crimeia à Rússia e nenhum dos lados ainda divulgou quem ousou tal proeza, sendo certo que os ucranianos cresceram de júbilo quando o facto ocorreu. Seja como for, foi mais uma vitória retumbante sobre as ambições do ditador. A resposta não deve tardar e vai ser de arromba.  

         - Prossigo com o lado esquerdo do maxilar transformado numa palha seca, sem acção e sentimento de pertença ao todo. Tenho evitado alimentos quentes e duros, mas, embora sem dores, a sensação que qualquer coisa não está bem, é nítida. A língua desse lado, é ferida com frequência. Vamos ver o que me diz o Dr. Gambeta quarta-feira, ele que teve a amabilidade de me telefonar a saber como se encontrava a obra d´arte do seu operador.