domingo, agosto 07, 2022

Domingo, 7.

Parece que fui tomado da obsessão de Jean d´Ormesson. Depois de ter lido o romance de Valter Hugo Mãe, O Apocalipse dos Trabalhadores (mais tarde falarei dele), tendo dado uma olhada à biblioteca de cima, deparo-me com um volume da Robert Laffont, Qu´ai-je donc fait, que não havia lido. Que felicidade! Que momentos inolvidáveis antevejo! Todavia, antes destas obras, lembro-me de ter lido um outro título, com relativamente poucas páginas (cento e qualquer coisa) que não encontro em nenhuma biblioteca. Bom. Este súbito interesse pela obra do escritor francês, veio-me do livro lido em Maio, Je dirai malgré tout que cette vie fut belle, mais amplo não só na temática como na espessura (490 páginas). Este trabalho que eu julgava ser ligeiro como o escritor em vida tinha fama de ser, veio a revelar-se-me de uma consistência metafísica e vivência absolutamente apaixonantes. Suponho que a obra toda de Ormesson foi construída a partir da viagem que ele empreendeu quando por aqui passou e é isso, essa descoberta do eu enquanto personagem à descoberta de si, do mundo e dos outros que alicerça e dá força e continuidade a largas dezenas de títulos centrados no autor. De resto, penso, só a obra que parte do mais íntimo do seu obreiro, onde ele está inteiro através das suas personagens, tem futuro e leitores.  Tudo o resto, é fantasia. 

         - Há três semanas que os meios de comunicação ditos sociais não se calam, têm até um certo gozo, um prazer redobrado, feito de hipocrisia e cinismo, em gastar papel e imagem a revelar a vidinha privada de certos párocos com efebos. Como se esses pecadilhos só agora bradam aos céus! Os seminários sempre foram antros de promiscuidade, de prazeres e descobertas carnais, de segredos e alcovas secretas, onde os rapazes descobriam o corpo olhando o que viam e admiravam à sua volta. Do lado dos sacerdotes, num mundo apodrecido de sexo, que Freud arremessou e desapareceu, inseridos nele, com a panóplia de sensações, gostos, olfatos, diversidade de prazeres, onde a par do dinheiro só ele empanturra, o amor ao largo tomando o lugar dos ais plangentes, murmúrios fingidos, corpos frígidos, a envolverem-se num vazio e numa solidão inefável, que termina num orgasmo seco, chato, podre, sobre a sotaina escura que denuncia o santo quanto mais o pecador. O sacerdócio, é bom que se saiba, há muito que virou uma profissão como qualquer outra. O padre não abdica da boa vida, do salário de professor ou outro, quer ser igual a qualquer cidadão, na obscuridade como na manada, não se identifica quando o vemos na rua, exibe a mesma pança com o cinto descido abaixo do umbigo, desce a rua em completa identificação com o ser comum porque, diz, só assim o pode compreender, ajudar, irmanar. Os mistérios que jurou cumprir, respeitar e seguir são princípios do passado; ele sente-se no direito de acompanhar os movimentos sociais e muitos são marxistas e outros social-democratas, outrora foram quase todos apoiantes do Estado Novo; não estão dispostos a abdicar de nada que a vida e as modernas tecnologias oferecem, são modernos, inovam a Igreja, correm atrás da juventude não com a virtude, a singularidade, votos de castidade, fervor religioso, entrega ao Senhor, mas com o sentimento pagão que a vida é para ser levada na enxurrada de todos os delírios, fantasias, orgias sexuais. Com o poder que a Igreja lhes confere, abusam, tiranizam, escravizam adolescentes pobres que se acolhem e aprendem e tiram o curso que os pais não lhes pode dar nos seminários e conventos. Bendito seja o Papa Francisco que destemidamente encarou um problema há muito disseminado na Igreja católica. Quando estive em Roma, tive conhecimento do que se passava na cidade, muitos padres e religiosos tinham sida e só quando morriam ou chegavam tarde ao hospital por temor, é que se sabia o que o Vaticano escondia.