domingo, agosto 21, 2022

Domingo, 21.

Viver como se a morte não existisse. Dar tempo ao tempo, esbanjá-lo como se as coisas miúdas da existência fossem os alicerces da sua expansão, escutar o silêncio que chega de sítio nenhum, recentrar a vida que cresce da essência secreta de onde cada um de nós é originário, entrar no lampejo único que nos vem de um mundo perdido no espaço sideral, cheio das vozes que rumorejam na abstracção do ensejo, campo de sofrimento aberto à claridade que sega e paira algures num lugar sem tempo, onde dardeja na sombra a luz divina. Fazer de cada minuto uma longa e fascinante dádiva imerecida.  

         - “The most beautiful bays in the word” – diz o cartaz afixado no Fertagus referindo-se à baía de Setúbal. Somos os maiores em tudo, e ainda mais no ridículo. 

         - A semana passada fui a Azeitão levar o carro à inspecção. Que desolação ver a paisagem da encosta do castelo, vale dos Barris e Serra da Arrábida mais à frente! Por vezes o fogo cruzou a estrada alcatroada e comeu campos de vinha. No antigo espaço do Fortuna, as chamas passaram na parte de trás do casario e foram por ali avante: Quinta do Anjo, Cabanas, por vezes serpenteando entre casas isoladas, campos de cultivo. Está tudo perdido, chamuscado, negro.  

         - Chegaram os franceses e os portugueses que entre si falam a língua de Molière, o mesmo é dizer multiplicam-se convites para almoços e jantares. O problema é que eu do que gosto é do convívio e quase nada do que como.