terça-feira, maio 04, 2021

Terça, 4.  

Francamente não quero entrar em depressão. Mas o que sei de concreto em consequência é que sinto que tudo rui à minha volta. Desde 14 do mês passado que não acrescento uma palavra ao romance, estendido numa secura incrível que chega a ferir-me não só psicológica como fisicamente; além de arrastar consigo o meu quotidiano que depende inteiramente de mim. Se paraliso, pára tudo o resto investindo eu na leitura como forma de equilíbrio. Mas os trabalhos no campo, no jardim, na quantidade de pequenas grandes coisas que viver numa quinta acarreta, é levado na torrente de desânimo, apatia, melancolia. Como se o mundo se tivesse ausentado para mim e para ele eu não passe de uma miríade de dor suspensa algures numa sombra em viagem, um mergulho no nada obscuro. O coração parece ter definhado, o meu cérebro soltado num turbilhão de sentimentos; não estou comigo, gravito numa dimensão oca, submersa, irreal. Tudo em mim é alheio a tudo. Vivo numa caixa de pressão. Não sou eu, levo os dias a mendigar a luz do alto, apetece-me apagar o tempo, exportá-lo para lugares inóspitos, para sítios inacessíveis que o transformem num cadáver mais fino que a areia dos desertos. Ando a matutar em recomeçar O Matricida de novo, reorientar a obsessão de Semyon pela mãe numa perspectiva de desconhecimento absoluto da sua existência, sendo o material da narrativa contado pelo pai. Este modo, aliviar-me-ia o cérebro porque o esforço psicológico que eu concentro na história vista pelo filho, esgota-me. Mas então, assim sendo, levanta-se outro problema: como pode Semyon varrer da memória uma existência que não viveu ou viveu enterpostamente? Por outra lado, a passagem de testemunho paterno pode carregar muito ódio, falsidade, sofrimento  comum aos casais que se separam. Que tipo de homem vem a ser Semyon? Terá ele o discernimento, a capacidade de encarar a vida adulta com os paralelismos falsos da uniões perfeitas típicos das sociedades moralistas e superficiais? Não tenho coragem de contar tanta perturbação a ninguém. Por isso, é a este refúgio que consigno as palavras que não ouso contar a alguém, mas me atravancam as noites e os dias. Anseio até que a Internet se afunde para sempre.