quarta-feira, maio 19, 2021

Quarta, 19.

Ontem entreguei o dia inteiro a ida e volta a Badajoz. Aproxima-se a época de verão e é tempo de me consagrar à piscina. Este ano com um desejo acrescentado: adquirir um robô de limpeza. Devido ao elevado preço que me pedem por aqui, e tendo precisão de produtos para o tratamento da água igualmente a custos exorbitantes nesta santa terrinha, e ainda necessidade de espairecer depois de dois anos amargurados, espécie de viagem de férias com almoço repimpado no restaurante onde tenho garfo e faca, na companhia dos habitués, Marília e João, por lá nos quedámos até ao fim da tarde. Eu gosto dos espanhóis, adorava mudar-me para Madrid, mas ontem adoptei por largo tempo a praça com o seu jardim florido, as árvores de sombra numa tarde abafada, a  canção trinada dos nossos vizinhos de mesa, aquela paz que cirandava nas paredes dos prédios que fecham o jardim, manto de sombras e afago do calor, da Plaza de los Alféreces. Por largos momentos senti que pertencia ao vento quente que cruzava em golfadas suaves a esplanada onde estávamos em conversa amena e o tempo corria na indiferença das horas, o cérebro amortecido pelo vinho, um assomo de sono no berço aconchegante descendo, descendo, num embalo doce para os braços de Hypnos... 

         - Não há, todavia, bem que sempre dure. Depressa a política se intrometeu, inundando de nojo os instantes de felicidade. João não passa sem ela, não sabe mesmo falar de outra coisa, a cassete que não consente o contraditório, viciada em aceitar as instruções que o Partido impõe. Ao ponto de a mulher concordar comigo quando, em conversa de passagem sobre Thomas Mann, se junta para afirmar que muita da filosofia de Marx foi colhida na Bíblia, “no Novo Testamento” acrescento eu. Naquela família de ateus, só a Marília e a filha Maria João são cristãs. A filha por opção própria, ela, os filhos e o marido, foram batizados já na idade adulta. A Marília é a grande matriarca da família, sem que esta designação aponte para prepotência ou excessos de apoios e condescendências. É uma personalidade como antigamente se significava alguém com carácter, saber e sagesse. João não desarma, não desarma nunca, fala comigo como se eu fosse um ignorante, que não acompanha o mundo em que vive, e repete-me à exaustão as notícias que eu ouço todos os dias, como se eu estivesse morto e houvesse ressuscitado naquele instante. Cita-me as leis que o PCP apresentou na Assembleia, fala-me das acções da esquerda no Parlamento, etc. etc. Digo-lhe que aquilo é um meio engenhoso para o PCP apanhar no colo a democracia e destruí-la logo depois. Porque muitas das acções que propõe sabe que nunca as poria em prática se viesse a ser Governo. São coisas infazíveis que só arruinam o país e quanto mais arruinado ele estiver mais a tomada do poder fica facilitada. É uma tática, uma estratégia que não desarma os comunistas. Como, de resto, todos os outros partidos, embora no caso concreto, devido à sua filosofia, plasmada no que se passa na China, Rússia, Coreia do Norte e alguns outros países de menor grandeza. Depois vem à baila a Hungria. João fala nos direitos humanos postos em causa no país, e eu recordo-lhe quando Costa se associou nessa matéria a Viktor Orbán e reafirmo que Portugal é dos piores países da Europa onde os direitos humanos são tábua rasa. Não me ouve, insiste no facto de na Hungria a imprensa ser amordaçada como se por cá ela fosse independente e livre. 

         - Lá está. Nestes últimos dias cerca de 8 mil marroquinos chegaram a Ceuta a... nado. No número há milhares de crianças e o socialista que governa Espanha (mauzinho, arrogante e tatibitates), trata de os recambiar para o seu país sem demora. Nas imagens televisivas vêem-se pessoas exaustas, crianças debilitadas, uma catástrofe humana que merecia outro tratamento, até porque estão a ser “carne para canhão” como se costuma dizer; sem falar nos Direitos Humanos rubricados na Convenção Europeia. No centro deste jogo político, está o Sara Ocidental que o movimento sarauí reclama e Marrocos combate. A Espanha apoia o movimento independentista e daí o jogo sujo que põe em risco milhares de vidas. A política hoje é isto. Onde falta inteligência, tacto, diplomacia, entram os povos desprezados nos seus países. Que mundo!