quinta-feira, maio 20, 2021

Quinta, 20.

Fui de abalada para o hospital de S. José fazer um electrocardiograma de que resultou este comentário: “O senhor tem um coração óptimo.” Bom. A minha oftalmologista quis espreitar para saber como vai este desgraçado que se farta de “inchitar” (linguagem da Madame Juju) quer através da escrita, quer nas sinapses que envia ao cérebro que não se dá ao descanso um minuto mesmo enquanto durmo. Quando assomei à gare da estação de Pinhal Novo, apanhei um susto: tive a sensação que tinha chegado a Angola ou esta havia desembarcado ali. A multidão, sim, multidão de negros era tal que a plataforma de uma extremidade à outra era uma manta escura onde olhinhos brilhavam num desassossego. Eram sete da manhã e quando o comboio parou, em golfadas, todas as carruagens ficaram atulhadas. Enfim, todos tinham máscara, mas as distâncias e a distribuição de lugares, era impossível manter. Em Sete Rios (ou teria sido em Jardim Zoológico, o bebé Nestlé que responda) aquelas revoadas de africanos carregados de mochilas, desembarcou inundando os pisos superiores. Foi o motorista do táxi que me levou ao hospital que respondeu à minha inquietação: “Hoje há greve dos barcos do Barreiro.”  Mas o Barreiro ainda é longe de Palmela, pensei. Mistério. De qualquer modo do nunca visto, salvo em Saint-Denis, mas a periferia de Paris é um recanto de África.   

         - Ontem, ao tentar dormir a sesta, o meu cérebro mergulhou num rodopio de pensamentos sobre a natureza de Deus. Questionei-me como pode Ele acudir em simultâneo aos triliões de pedidos que os seres humanos abandonados e sofredores Lhe dirigem. Porque é preciso observá-los, catalogá-los, fazer a triagem correcta, saber quem merece o Seu auxílio, e tudo isso num espaço de milésimo de segundo. Ante a incomensurável vastidão de questões, renunciei à soneca. 

         - Parece que o Verão se instalou. Dia quente, céu de um azul limpo como mostra a foto que tirei no Rossio todo aformoseado de Jacarandás em flor.