Segunda,
6.
Encontrei-me
com a Tereza. Durante um tempo estivemos à conversa sem pressas, saboreando o
ar do Chiado já composto de estrangeiros e portugueses que subiam e desciam
aquela artéria da cidade. A Tereza é das pessoas do mundo da arte – e eu
conheço e dou-me com um bando - que menos se adapta aos tempos presentes. Precursora
da Pop Art entre nós, vive ainda nos
idos anos Sessenta e Setenta, augustos quando vanguardista o trânsito parava
para a ver passar e galerias e museus abriam portas e janelas, pátios e jardins
para expor a sua obra magnífica. A pintura que ela hoje faz, continua fabulosa,
mas a pintora recolheu o espírito avançado e convivial, para se transformar
numa velhota austera, sentenciadora e algo irritante. Eu digo-lhe que ninguém
nos dias de hoje tem paciência para aturar génios e nem atribui nenhuma
importância aos artistas – escritores, pintores, escultores, músicos e actores
– salvo, por revoadas frágeis, os das telenovelas. Altiva como se apresenta,
tem tido dificuldade em expor apesar da fama – lá está a de outros tempos
quando a sociedade portuguesa não vivia ainda no efémero e artistas não havia
como hoje se geram. Eu falei com amigos e consegui duas galerias importantes
para as mais recentes obras, mas ela embirrou que queria chauffeur e seguro de viagem para os quadros. Agora não há espaço
nenhum. Resposta de menina mimada: “E eu ralada!” Depois atirou, recolhida: “A
Gulbenkian telefonou-me para expor as minhas telas e o Museu do Chiado também.”
Quanto à galeria de Paris para a qual eu escrevi um texto, “está em stand by”.
- No Chiado passou uma mulher com umas
calças tão justas que se lhe via o corpo como se fosse nua. Do traseiro saíam
duas grandes bolachas e de entre as pernas, uma espécie de borboleta
rechonchuda, dividida pela costura que penetrava fundo e separava dois lábios grossos
e sensuais, cujos contornos eram provocantemente pomposos. Aquilo era exibicionismo provocante,
ordinário, não era arte e nem excitava. Porque a arte pertence à família do
mistério, a vulgaridade ao ímpeto animalesco do imediato. Um romancista podia criar aquela personagem,
porque a realidade é o seu instrumento de trabalho; mas a realidade não pode
passear diante dos olhos do criador sem que ele a anule.
- Fui ao Corte Inglês comprar óculos para piscina. Também ali o movimento era já considerável. Comprei o
jantar e debandei para mergulhar e fazer meia hora de natação. Tarde quente.
Abelhas felizes por todo o lado. Saúde, força, férias grandes à antiga, aromas
sensuais a tecerem no ar os fios tangíveis da juventude.
Fui artilhado como antes ia, mas o calor é impossível. Coronavírus tem dó. |