segunda-feira, julho 06, 2020

Segunda, 6.
Encontrei-me com a Tereza. Durante um tempo estivemos à conversa sem pressas, saboreando o ar do Chiado já composto de estrangeiros e portugueses que subiam e desciam aquela artéria da cidade. A Tereza é das pessoas do mundo da arte – e eu conheço e dou-me com um bando - que menos se adapta aos tempos presentes. Precursora da Pop Art entre nós, vive ainda nos idos anos Sessenta e Setenta, augustos quando vanguardista o trânsito parava para a ver passar e galerias e museus abriam portas e janelas, pátios e jardins para expor a sua obra magnífica. A pintura que ela hoje faz, continua fabulosa, mas a pintora recolheu o espírito avançado e convivial, para se transformar numa velhota austera, sentenciadora e algo irritante. Eu digo-lhe que ninguém nos dias de hoje tem paciência para aturar génios e nem atribui nenhuma importância aos artistas – escritores, pintores, escultores, músicos e actores – salvo, por revoadas frágeis, os das telenovelas. Altiva como se apresenta, tem tido dificuldade em expor apesar da fama – lá está a de outros tempos quando a sociedade portuguesa não vivia ainda no efémero e artistas não havia como hoje se geram. Eu falei com amigos e consegui duas galerias importantes para as mais recentes obras, mas ela embirrou que queria chauffeur e seguro de viagem para os quadros. Agora não há espaço nenhum. Resposta de menina mimada: “E eu ralada!” Depois atirou, recolhida: “A Gulbenkian telefonou-me para expor as minhas telas e o Museu do Chiado também.” Quanto à galeria de Paris para a qual eu escrevi um texto, “está em stand by”.

         - No Chiado passou uma mulher com umas calças tão justas que se lhe via o corpo como se fosse nua. Do traseiro saíam duas grandes bolachas e de entre as pernas, uma espécie de borboleta rechonchuda, dividida pela costura que penetrava fundo e separava dois lábios grossos e sensuais, cujos contornos eram provocantemente pomposos. Aquilo era exibicionismo provocante, ordinário, não era arte e nem excitava. Porque a arte pertence à família do mistério, a vulgaridade ao ímpeto animalesco do imediato.  Um romancista podia criar aquela personagem, porque a realidade é o seu instrumento de trabalho; mas a realidade não pode passear diante dos olhos do criador sem que ele a anule. 


         - Fui ao Corte Inglês comprar óculos para piscina. Também ali o movimento era já considerável. Comprei o jantar e debandei para mergulhar e fazer meia hora de natação. Tarde quente. Abelhas felizes por todo o lado. Saúde, força, férias grandes à antiga, aromas sensuais a tecerem no ar os fios tangíveis da juventude.

Fui artilhado como antes ia, mas o calor é impossível. Coronavírus tem dó.