quarta-feira, julho 29, 2020

Quarta, 29.
O João há oito dias telefonou-me a pedir um texto que protegesse os pintores e escultores junto da Sociedade Nacional de Belas Artes que, como outros artistas, passam por um momento difícil. Disse-lhe que essa não é a sua nem a minha missão, sobretudo tendo em vista uma classe que nunca se uniu na defesa dos seus interesses nem fazendo nós parte dela. Contei o projecto ao Guilherme, ontem. Mas ele está de acordo com o Corregedor e diz que eu devo pensar no assunto desde que seja pago. Indignei-me. E expliquei que aos amigos não se cobram gestos como este. Ele tornava à baila com o preço. Desisti.

         - Há uma semana recebi alguns telefonemas a dizer que me viram no jornal da SIC. O Carmo foi ao ponto de afirmar que me deram um plano que me destacava do conjunto dos amigos com quem estava a conversar. Detesto. Não dei por isso. De contrário, fazia como já fiz à RTP1, TVI e SIC que vieram para me entrevistar – corria com eles. Que direito tem esta gente de expor quem se reserva? Sobretudo quando não foram autorizados nem preveniram os visados! Há por aí quem daria a vida por uma imagem sua na TV, forma de afirmarem que são alguém e estão vivos. 

         - Reservei a manhã para encarar as chatices. Muni-me, pois, de imensa paciência sabendo em que país vivo. Assim, estive desde as 9 ao meio-dia a tentar ser ressarcido da soma que gastei na compra da viagem TAP Lisboa/Budapeste/Lisboa. Falei com sete pessoas, outros tantos departamentos, repeti ao que vinha vezes sem conta, anotei, entrei e saí do site da companhia, por fim, ufa!, ao cabo de três horas consegui enviar o protesto de reembolso apenas para satisfazer o João Corregedor que todos os dias insiste comigo para que o faça. Está feito! Amanhã vou mandar cópia à Provedora da Justiça e à Deco. Se tenho esperança em receber um tosto? Nenhuma. Mas já agora que estou embalado, ainda tentarei a sorte com a UE sobretudo para reaver as centenas de euros que o Hotel Atrium Fashion (que não aconselho a nenhum leitor) me surripiou. 

         - As minhas histórias africanas no Fertagus. Ontem, distante de mim, seguiam duas negras: uma ao telemóvel, falando para todos os passageiros, sem máscara, espécie de Isabel dos Santos no cabelo, no pote barrigão, nos gestos de rainha de Luanda; a outra mais cordata, de máscara, rindo, discreta. O vazio do que dizia foi, a dada altura, travado por uma senhora que seguia perto e a intimou para que pusesse máscara. A dama fraldiqueira à moda sanzala, não ligou nenhuma e prosseguiu no seu falar indígena. Foi quando me levantei e fui direito a ela e disse: “A senhora é obrigada a pôr máscara nos transportes públicos e se não o fizer imediatamente, na próxima estação, chamo o segurança e acrescentei: olhe que a multa é de 135 euros.” A mulher pareceu esgrouviada e diz para a amiga: “Ouviste: cem euros de multa!” A outra não respondeu. Então a Isabelinha dos Santos, sacou da mala a máscara. “Está a ver assim fica bonita.”

         Na mesma carruagem, assim que entrei, vi que o espaço reservado às pessoas com incapacidades estava ocupado por uma mulher africana cujas nádegas enchiam um banco e meio. A mulher logo que me viu, levantou-se e tratou de carregar a mala grande, outra mais pequena e um saco para me dar o lugar. Disse-lhe: “Deixe-se estar e obrigado. Eu vou procurar assento mais adiante.”  Despedimo-nos com um sorriso de orelha a orelha. Há negras e negras; como há brancos e brancos, amarelos e amarelos.


         - Tentei pôr o corta-relva a trabalhar – em vão. Definitivamente eu e as máquinas não nos tratamos por tu. Tempo quente. Meia hora de natação. O romance ruminou todo o tempo, mas o tempo não parou para ele se estatelar nas páginas do computador.