Quarta, 29.
O
João há oito dias telefonou-me a pedir um texto que protegesse os pintores e
escultores junto da Sociedade Nacional de Belas Artes que, como outros
artistas, passam por um momento difícil. Disse-lhe que essa não é a sua nem a
minha missão, sobretudo tendo em vista uma classe que nunca se uniu na defesa
dos seus interesses nem fazendo nós parte dela. Contei o projecto ao Guilherme,
ontem. Mas ele está de acordo com o Corregedor e diz que eu devo pensar no assunto
desde que seja pago. Indignei-me. E expliquei que aos amigos não se cobram
gestos como este. Ele tornava à baila com o preço. Desisti.
- Há uma semana recebi alguns
telefonemas a dizer que me viram no jornal da SIC. O Carmo foi ao ponto de afirmar
que me deram um plano que me destacava do conjunto dos amigos com quem estava a
conversar. Detesto. Não dei por isso. De contrário, fazia como já fiz à RTP1,
TVI e SIC que vieram para me entrevistar – corria com eles. Que direito tem
esta gente de expor quem se reserva? Sobretudo quando não foram autorizados nem
preveniram os visados! Há por aí quem daria a vida por uma imagem sua na TV,
forma de afirmarem que são alguém e estão vivos.
- Reservei a manhã para encarar as
chatices. Muni-me, pois, de imensa paciência sabendo em que país vivo. Assim,
estive desde as 9 ao meio-dia a tentar ser ressarcido da soma que gastei na
compra da viagem TAP Lisboa/Budapeste/Lisboa. Falei com sete pessoas, outros
tantos departamentos, repeti ao que vinha vezes sem conta, anotei, entrei e saí
do site da companhia, por fim, ufa!, ao cabo de três horas consegui enviar o
protesto de reembolso apenas para satisfazer o João Corregedor que todos os
dias insiste comigo para que o faça. Está feito! Amanhã vou mandar cópia à
Provedora da Justiça e à Deco. Se tenho esperança em receber um tosto? Nenhuma.
Mas já agora que estou embalado, ainda tentarei a sorte com a UE sobretudo para
reaver as centenas de euros que o Hotel Atrium Fashion (que não aconselho a
nenhum leitor) me surripiou.
- As minhas histórias africanas no
Fertagus. Ontem, distante de mim, seguiam duas negras: uma ao telemóvel,
falando para todos os passageiros, sem máscara, espécie de Isabel dos Santos no
cabelo, no pote barrigão, nos gestos de rainha de Luanda; a outra mais cordata,
de máscara, rindo, discreta. O vazio do que dizia foi, a dada altura, travado
por uma senhora que seguia perto e a intimou para que pusesse máscara. A dama
fraldiqueira à moda sanzala, não ligou nenhuma e prosseguiu no seu falar
indígena. Foi quando me levantei e fui direito a ela e disse: “A senhora é
obrigada a pôr máscara nos transportes públicos e se não o fizer imediatamente,
na próxima estação, chamo o segurança e acrescentei: olhe que a multa é de 135
euros.” A mulher pareceu esgrouviada e diz para a amiga: “Ouviste: cem euros de
multa!” A outra não respondeu. Então a Isabelinha dos Santos, sacou da mala a
máscara. “Está a ver assim fica bonita.”
Na mesma carruagem, assim que entrei,
vi que o espaço reservado às pessoas com incapacidades estava ocupado por uma
mulher africana cujas nádegas enchiam um banco e meio. A mulher logo que me
viu, levantou-se e tratou de carregar a mala grande, outra mais pequena e um
saco para me dar o lugar. Disse-lhe: “Deixe-se estar e obrigado. Eu vou
procurar assento mais adiante.” Despedimo-nos
com um sorriso de orelha a orelha. Há negras e negras; como há brancos e
brancos, amarelos e amarelos.
- Tentei pôr o corta-relva a trabalhar
– em vão. Definitivamente eu e as máquinas não nos tratamos por tu. Tempo
quente. Meia hora de natação. O romance ruminou todo o tempo, mas o tempo não
parou para ele se estatelar nas páginas do computador.