Terça, 12.
De regresso a Paris encontrei o mesmo
clima cinzento e tristonho, frio e irritável. O TGV leva duas horas a fazer o
percurso, o carro cinco. Como ontem foi feriado, comboios e auto-estradas
estiveram entupidas. Apesar do frio e da chuva que não parou de cair, uma
imensa massa humana deslocou-se para fugir ao quotidiano e viver por um duplo
fim-de-semana na tranquilidade do campo ou no refúgio da família longínqua.
- Robert tem o hábito quando me tira uma fotografia de dizer: “Voilà le
beau Helderrr!” Por ser a norma e a ouvir tantas vezes, não lhe atribuo nenhuma
importância e riu-me. Acontece que a segunda mulher de Lionel, Mai-Hong, o
filho Nam, dez anos e a filha Mai-oa, quinze anos, sendo vietnamitas, falam
entre si a língua materna. Volta que não volta, o Nam dirigia-se-me sem que eu
alcançasse o que dizia. Ao terceiro dia pedi à mãe que parecia comungar das
palavras do filho, traduzisse o que o miúdo me dizia. “Il dit que t´est beau et
je suis d´accord.” Estupefacção da minha parte. Ouvir isto a mon âge!
- Dei um salto à Défense. No cogote da cidade, varrida por ventos doidos
e súbitas vergastadas de chuva grossa, por lá me quedei naquele espaço
inóspito, semelhante a tantos outros em Nova Iorque, sem alma nem presença
humana, daquela que nos afaga com o olhar, a voz, o mistério da expressão que
nos tolda os sentidos. Procurava algo que necessitava e sabia existir nas
catacumbas da aranha enorme que abraça vários hectares, com os seus espelhos e
frisos metálicos, seus vidros e cúpulas desvairadas que o vento atravessa no
seu caminhar airoso e gozador, seguro que pode reduzir tudo aquilo a um monte
de destroços. Como o frio e a chuva tomaram conta dos espaços abertos, a
população alucinada dos assalariados e pdgs que nas torres trabalham como
escravos a troco dos salários da economia liberal, pareciam ratazanas em busca
da comida do meio-dia, ali tão variada como as lojas de algibebe, dos chineses,
dos perfumes baratos. A noite tinha caído entretanto.