sábado, novembro 16, 2019

Sábado, 16.
Há diversos mistérios que dão que pensar sobre o incêndio de Notre-Dame. No meio daquele inferno, alguns símbolos da cristandade escaparam miraculosamente: a Santa Coroa, que se acredita ter sido a que Jesus Cristo usou na crucificação, a Túnica que São Luís teria usado, em 1238, as maravilhosas Rosáceas laterais e central, a Cruz do altar principal, e algumas mais relíquias que ninguém consegue explicar como foi possível escaparem de um tal cataclismo. Paul Claudel, num poema célebre, explica a sua conversão, e diz que “foi a Virgem que salvou a França” em vários momentos terríveis da sua história.

Tirei o dia para visitar os despojos da catedral de Notre-Dame. É um perfeito estaleiro onde se afadigam centenas de operários e técnicos de muitas ciências. Talvez não fique reerguida no tempo que Macron previu, mas o que me foi dado observar cortou-me o coração, eu que tantas vezes ali me recolhi em oração e ainda o ano passado a admirei do Sena com espanto e veneração. Toda a História de França passou por lá, desde os primeiros reis a Napoleão Bonaparte. Nos nossos dias, talvez contra a Igreja, ela era praticamente um museu que milhões de turistas conspurcavam com a sua presença, despudor dos flaches dos smartphones e atropelo de toda a ordem que o respeito e o silêncio impõem. Diversas vezes vandalizada, incendiada e maltratada, Notre-Dame, desde os confins do século XII, soube resistir pela graça e favores divinos menosprezados nos tempos presentes, onde outro deus, o do dinheiro, irrompeu vencedor.

O esforço de conter as estruturas
Os trabalhos colossais a empreender
A Cruz de Cristo misteriosamente erguida no meio das chamas

Apesar do desastre a beleza impõe-se
A frontaria de Notre-Dame 
         - No regresso a casa sob um céu de chumbo, passando em Odéon, não consegui escapar às memórias que me invadiam. Simone de Beauvoir habitava umas águas furtadas na zona e o seu número de telefone era Odéon 28 28. Eu estava em Paris para fazer uma série de reportagens sobre a condição dos emigrantes portugueses para o jornal A Capital e telefonei-lhe para a entrevistar. Ríspida, declinou o convite com o pretexto de ter muito trabalho e não conhecer a situação dos nossos concidadãos. O resto está plasmado nas páginas deste Diário de então. 


         - Como previsto, os tumultos na Place d´Italie e Champs-Élysées foram impressionantes. Carros incendiados, material urbano destruído, confrontos violentos com a polícia, um dia desastrado de comemoração do início da revolta há um ano. Os governantes do mundo, têm de passar a contar com as opiniões e a vida dos seus compatriotas. De contrário é na rua que eles imporão a nova ordem que os bem instalados chamam de desordem e anarquia.