Quarta, 6.
A exposição que Carlos Rocha Pinto tem
na galeria do meu querido amigo António Borges Coelho, e que revisitei para
escrever estas linhas antes de deixar Lisboa, intitula-se Percurso Inacabado. E percebe-se porquê. As vicissitudes da vida,
forçaram-no a fazer um hiato que o fez viajar por mundos que só ele sabe onde
ficam, que traços humanos o habitam, que inquietações o desmancharam, que
súbitos apelos o desviaram da rota artística onde era um dos mais originais e
sólidos valores entre os seus pares. Há, todavia, no silêncio de um artista
qualquer coisa de perturbador, de preocupante, de doloroso que nos obriga a
respeitar, mas sobretudo que nos impele a rever o percurso feito até ao
desfiladeiro terrível que o afastou das tintas e dos pincéis, abandonado no
lugar onde a arte se encontra com a vida e uma e outra do fundo do espanto não
reconhecem o pintor.
Depois um dia, afastado o sofrimento,
num desespero que dá sentido à vida e ao seu universo íntimo, feito de seixos
que nas praias do desespero ficaram, Rocha Pinto, num esforço hercúleo, rasga
as dores e reinventa-se de novo com a força, a imaginação, o impulso que as
duas dúzias de telas mostram. A sua pintura dizem ser abstracta. Talvez. Um
abstracto feito de murmúrios concretos, expressivos, cavados fundo na
experiência, na densidade estética, no sopro solto que invade cada tela de uma
expressão feita de experiência, de interrogação, do silêncio dos vales que só
ele sabem onde existem. Uma linguagem metafórica varre todos e cada um dos
quadros deste Percurso Inacabado,
cuja fruição excede as configurações que a nossa imaginação pode conceber.
Somos literalmente abrasados por aqueles traços, aquelas cores, aquelas linhas
que desenham no mistério que está lá, tendo viajado dos anos ´80 e ´90, quando
CRP iniciou o seu caminho, recolhido em si, explorando a paleta de cores e
puxando dos abismo da alma sombras
humanas, circuitos densos, para os revestir da modernidade que finalmente nunca
dele se apartou. Se há beleza na sua pintura, também existe um vulcão de
emoções que nos extasia, arrebata, sidera. Talvez nesta mostra, estejam em
recuo as tensões eróticas, embora num ou outro quadro sejam afloradas. Também
os signos que sempre viajam com ele, reaparecem tratados de um modo mais suave,
escondido, interpelando o visitante a descobrir a força do seu trabalho, a
combinação das cores onde os crepúsculos irradiam uma contenção interior, um
certo lirismo que vem de trás, desabrochando agora com mais vigor e inundando a tela da
originalidade conceptual que é a sua. O lugar dele é de todos o mais original,
porque marcado por preocupações estéticas, artísticas e culturais, radicadas na
concepção da arte macerada no desassossego que nos transmite, e que são exemplo
as telas que aqui apresento para fruição dos meus leitores. Sim, para nosso
gozo e deleite, o trajeto não está acabado. La
boucle n´est pas bouclée.
- Imaginem qual o livro que assim que pus os pés em Paris fui a correr
comprar - esse mesmo que vou passando os olhos pasmado com o que leio.