quarta-feira, novembro 06, 2019

Quarta, 6.
A exposição que Carlos Rocha Pinto tem na galeria do meu querido amigo António Borges Coelho, e que revisitei para escrever estas linhas antes de deixar Lisboa, intitula-se Percurso Inacabado. E percebe-se porquê. As vicissitudes da vida, forçaram-no a fazer um hiato que o fez viajar por mundos que só ele sabe onde ficam, que traços humanos o habitam, que inquietações o desmancharam, que súbitos apelos o desviaram da rota artística onde era um dos mais originais e sólidos valores entre os seus pares. Há, todavia, no silêncio de um artista qualquer coisa de perturbador, de preocupante, de doloroso que nos obriga a respeitar, mas sobretudo que nos impele a rever o percurso feito até ao desfiladeiro terrível que o afastou das tintas e dos pincéis, abandonado no lugar onde a arte se encontra com a vida e uma e outra do fundo do espanto não reconhecem o pintor.
      
Depois um dia, afastado o sofrimento, num desespero que dá sentido à vida e ao seu universo íntimo, feito de seixos que nas praias do desespero ficaram, Rocha Pinto, num esforço hercúleo, rasga as dores e reinventa-se de novo com a força, a imaginação, o impulso que as duas dúzias de telas mostram. A sua pintura dizem ser abstracta. Talvez. Um abstracto feito de murmúrios concretos, expressivos, cavados fundo na experiência, na densidade estética, no sopro solto que invade cada tela de uma expressão feita de experiência, de interrogação, do silêncio dos vales que só ele sabem onde existem. Uma linguagem metafórica varre todos e cada um dos quadros deste Percurso Inacabado, cuja fruição excede as configurações que a nossa imaginação pode conceber. Somos literalmente abrasados por aqueles traços, aquelas cores, aquelas linhas que desenham no mistério que está lá, tendo viajado dos anos ´80 e ´90, quando CRP iniciou o seu caminho, recolhido em si, explorando a paleta de cores e puxando dos abismo da alma  sombras humanas, circuitos densos, para os revestir da modernidade que finalmente nunca dele se apartou. Se há beleza na sua pintura, também existe um vulcão de emoções que nos extasia, arrebata, sidera. Talvez nesta mostra, estejam em recuo as tensões eróticas, embora num ou outro quadro sejam afloradas. Também os signos que sempre viajam com ele, reaparecem tratados de um modo mais suave, escondido, interpelando o visitante a descobrir a força do seu trabalho, a combinação das cores onde os crepúsculos irradiam uma contenção interior, um certo lirismo que vem de trás, desabrochando agora com  mais vigor e inundando a tela da originalidade conceptual que é a sua. O lugar dele é de todos o mais original, porque marcado por preocupações estéticas, artísticas e culturais, radicadas na concepção da arte macerada no desassossego que nos transmite, e que são exemplo as telas que aqui apresento para fruição dos meus leitores. Sim, para nosso gozo e deleite, o trajeto não está acabado. La boucle n´est pas bouclée.





         - Imaginem qual o livro que assim que pus os pés em Paris fui a correr comprar - esse mesmo que vou passando os olhos pasmado com o que leio.