Quarta, 13.
Dia calmo aproveitado para me embrulhar
no romance cujo plano está totalmente alterado. Adeus croché de 10 páginas por
dia. Impossível com esta vida onde tudo se sobrepõe ao silêncio e ao isolamento
que a escrita impõe. Manhã reservada, enfim, ao trabalho levou-me a descobrir
coisas e situações que por vezes me arrancaram um grande sorriso. A distância é
já de dois anos (o livro terminei-o aqui em Paris a 21.11.18) e, nestas
condições, a folga permite-me lê-lo como se fosse escrito por outro. Forma de
falar. Na realidade continuo a enervar-me, a expedir ódio e raiva, ternura e
lágrimas, como se a história fosse verdadeira e os intervenientes mártires e
santos. O segundo capítulo parece-me melhor conseguido, embora a minha opinião
e entusiasmo não sejam coincidentes com o leitor ou o editor. É a voz, o tom, a
liberdade, o sentimento de haver tocado qualquer coisa de misterioso,
provocante e desarmantemente incorrecto que me seduz. Não troco a minha
liberdade por um editor. São 18,58. Estou atrasado para o jantar em casa da
Michele. Faz um frio de rachar.
- Sim, hoje a Michele, amanhã não sei quem. Desisti de pensar na minha
saúde porque não posso ser deselegante com aquelas e aqueles que me convidam
para a sua mesa. Em Strasbourg foi a desbunda, o exagero, dentro e fora de
casa, comida francesa e vietnamita, queijos que nunca tinha provado, doces de tentação,
ambiente e festa permanentes. Aqui quase tudo o que é alimentação corrente eu
recusaria em Palmela. Os meus 63 quilos já devem ter sido abafados por todas
estas iguarias a que não consigo – nem posso – resistir. Tudo o que é bom, faz
mal. Nesta sociedade da abundância a gula é um castigo.