quarta-feira, novembro 13, 2019

Quarta, 13.
Dia calmo aproveitado para me embrulhar no romance cujo plano está totalmente alterado. Adeus croché de 10 páginas por dia. Impossível com esta vida onde tudo se sobrepõe ao silêncio e ao isolamento que a escrita impõe. Manhã reservada, enfim, ao trabalho levou-me a descobrir coisas e situações que por vezes me arrancaram um grande sorriso. A distância é já de dois anos (o livro terminei-o aqui em Paris a 21.11.18) e, nestas condições, a folga permite-me lê-lo como se fosse escrito por outro. Forma de falar. Na realidade continuo a enervar-me, a expedir ódio e raiva, ternura e lágrimas, como se a história fosse verdadeira e os intervenientes mártires e santos. O segundo capítulo parece-me melhor conseguido, embora a minha opinião e entusiasmo não sejam coincidentes com o leitor ou o editor. É a voz, o tom, a liberdade, o sentimento de haver tocado qualquer coisa de misterioso, provocante e desarmantemente incorrecto que me seduz. Não troco a minha liberdade por um editor. São 18,58. Estou atrasado para o jantar em casa da Michele. Faz um frio de rachar.


         - Sim, hoje a Michele, amanhã não sei quem. Desisti de pensar na minha saúde porque não posso ser deselegante com aquelas e aqueles que me convidam para a sua mesa. Em Strasbourg foi a desbunda, o exagero, dentro e fora de casa, comida francesa e vietnamita, queijos que nunca tinha provado, doces de tentação, ambiente e festa permanentes. Aqui quase tudo o que é alimentação corrente eu recusaria em Palmela. Os meus 63 quilos já devem ter sido abafados por todas estas iguarias a que não consigo – nem posso – resistir. Tudo o que é bom, faz mal. Nesta sociedade da abundância a gula é um castigo.