Sexta, 22.
Partimos cedo para Cambrai que dista
daqui hora e meia de carro. Dia soberbo de sol, mas à chegada ao nosso destino,
um frio bravo acompanhado de chuva miúda constante. Despachei-me ao encontro
dos amigos no Signe. Surpresa! Qualquer coisa mudou, a clientela já não é a
mesma, o patrão também me pareceu outro. Abanquei a uma mesa no centro do café-restaurante,
tirei o computador da mochila e, no meio do vacarme
medonho, comecei a burilar no Juiz
Apostolatos. Embora alheado de tudo, não escapei à mudança com mulheres de baixo
nível a falar alto de mesa para mesa, a mastigar de boca aberta, a lamber dedos
e pratos. Suportei, todavia, hora e meia de trabalho, até que o Robert me veio
buscar para o almoço num restaurante nas redondezas da cidade. Tornámos a Paris
já a noite varria os espaços, as ruas e a auto-estrada que nos devolveu a casa,
sãos e salvos. Há instantes: às 19,13 (em França).
- A propósito de restaurantes. Anteontem, depois do chá tomado no Louis
Vuitton, entrámos na navette da
Fundação que nos deixou nos Champs Élysées. O Christian queria absolutamente
convidar-me para jantar e fez-me a surpresa de descermos em Pigalle, onde noutros
tempos me perdi roído da comichão sensual impossível de conter... À saída do
metro, entrámos num restaurante que outrora, quero dizer, no início do século
XX, na Paname da Belle Époque 1900, servia os trabalhadores de salários baixos,
o Bouillon. Suponho que hoje são apenas dois abertos, antes eram muitos
espalhados por vários bairros de Paris. Este do Boulevard de Clichy, que tivemos
a sorte de entrar antes das filas incríveis - pelo menos 20 metros -, à chuva e
ao frio. Acolheu-nos a simpatia dos empregados, a decoração de época, o deslumbre
interior, com mesas individuais alinhadas umas contra as outras, rendendo-me eu
logo àquela atmosfera incondicionalmente. Como fazia frio e o calor humano ali
era fraterno, comunicativo, senti-me tão bem, perdido naquele brouhaha ensurdecedor que vinha de todos
os lados, inclusive do primeiro andar, tão vasto como o da entrada onde nos
sentámos. A longa lista de entradas, pratos principais, sobremesas, vinhos e
águas enchia duas páginas A4 e os preços estão garantidos até o Inverno de 2020
e absolutamente razoáveis! Comi a tradicional sopa de cebola com queijo, o
prato de canard com batinhas fritas,
um vinho excelente e para sobremesa tarte
aux pralines roses. Tudo impecável, rápido, sem mácula. E a conversa
agradável entre dois amigos que se conheceram em Londres onde ambos estudaram,
hoje a puxar àquele velhote da publicidade do vinho do Porto de antigamente. Tornei
a casa no derradeiro metro. Paris ainda estrebuchava e a fila de clientes devia
ter uns trinta metros.
Na moda o velho espaço de outrora |
- Certa está a ausência do petit oiseau ao almoço de domingo. Foi
ele que se excluiu, talvez achando que não seria estimado. É uma natureza
tímida, reservada, que vive provavelmente para o estudo do Direito em cuja
faculdade o pai, ricaço, o matriculou. Habita numa zona arejada, com jardim e
um pequeno lago, não longe daqui e onde os fins-de-semana são consagrados ao
seu amigo de 80 anos. Isto prova que um jovem de 25 anos é capaz de se
apaixonar por um homem de idade avançada. Ça
existe?! Alors oui!
- Desta estadia em Paris, os momentos mais felizes, são os ocupados a escrever;
as longas horas solitárias passadas num universo que só existe dentro de mim. A
realização pessoal transcende-se assim em algo indizível.