sexta-feira, novembro 22, 2019

Sexta, 22.
Partimos cedo para Cambrai que dista daqui hora e meia de carro. Dia soberbo de sol, mas à chegada ao nosso destino, um frio bravo acompanhado de chuva miúda constante. Despachei-me ao encontro dos amigos no Signe. Surpresa! Qualquer coisa mudou, a clientela já não é a mesma, o patrão também me pareceu outro. Abanquei a uma mesa no centro do café-restaurante, tirei o computador da mochila e, no meio do vacarme medonho, comecei a burilar no Juiz Apostolatos. Embora alheado de tudo, não escapei à mudança com mulheres de baixo nível a falar alto de mesa para mesa, a mastigar de boca aberta, a lamber dedos e pratos. Suportei, todavia, hora e meia de trabalho, até que o Robert me veio buscar para o almoço num restaurante nas redondezas da cidade. Tornámos a Paris já a noite varria os espaços, as ruas e a auto-estrada que nos devolveu a casa, sãos e salvos. Há instantes: às 19,13 (em França).

         - A propósito de restaurantes. Anteontem, depois do chá tomado no Louis Vuitton, entrámos na navette da Fundação que nos deixou nos Champs Élysées. O Christian queria absolutamente convidar-me para jantar e fez-me a surpresa de descermos em Pigalle, onde noutros tempos me perdi roído da comichão sensual impossível de conter... À saída do metro, entrámos num restaurante que outrora, quero dizer, no início do século XX, na Paname da Belle Époque 1900, servia os trabalhadores de salários baixos, o Bouillon. Suponho que hoje são apenas dois abertos, antes eram muitos espalhados por vários bairros de Paris. Este do Boulevard de Clichy, que tivemos a sorte de entrar antes das filas incríveis - pelo menos 20 metros -, à chuva e ao frio. Acolheu-nos a simpatia dos empregados, a decoração de época, o deslumbre interior, com mesas individuais alinhadas umas contra as outras, rendendo-me eu logo àquela atmosfera incondicionalmente. Como fazia frio e o calor humano ali era fraterno, comunicativo, senti-me tão bem, perdido naquele brouhaha ensurdecedor que vinha de todos os lados, inclusive do primeiro andar, tão vasto como o da entrada onde nos sentámos. A longa lista de entradas, pratos principais, sobremesas, vinhos e águas enchia duas páginas A4 e os preços estão garantidos até o Inverno de 2020 e absolutamente razoáveis! Comi a tradicional sopa de cebola com queijo, o prato de canard com batinhas fritas, um vinho excelente e para sobremesa tarte aux pralines roses. Tudo impecável, rápido, sem mácula. E a conversa agradável entre dois amigos que se conheceram em Londres onde ambos estudaram, hoje a puxar àquele velhote da publicidade do vinho do Porto de antigamente. Tornei a casa no derradeiro metro. Paris ainda estrebuchava e a fila de clientes devia ter uns trinta  metros. 
Na moda o velho espaço de outrora 
         - Certa está a ausência do petit oiseau ao almoço de domingo. Foi ele que se excluiu, talvez achando que não seria estimado. É uma natureza tímida, reservada, que vive provavelmente para o estudo do Direito em cuja faculdade o pai, ricaço, o matriculou. Habita numa zona arejada, com jardim e um pequeno lago, não longe daqui e onde os fins-de-semana são consagrados ao seu amigo de 80 anos. Isto prova que um jovem de 25 anos é capaz de se apaixonar por um homem de idade avançada. Ça existe?! Alors oui!


         - Desta estadia em Paris, os momentos mais felizes, são os ocupados a escrever; as longas horas solitárias passadas num universo que só existe dentro de mim. A realização pessoal transcende-se assim em algo indizível.