Domingo,
10.
Ontem longa revisita ao centro histórico
de cidade. Frio glacial que nos obrigou por meia hora a aquecermo-nos num café
da Place Gutenberg, lá onde se ergue a estátua do célebre homem, obra de David
d´Angers, diante de uma chávena de chocolate quente. Demorada visita à
catedral, desta vez sem as enchentes de outras ocasiões quando tentei admirar a
sua frontaria e o interior. Toda a nave que vai da entrada ao coração do altar,
alta de uns quarenta metros, revestida com a patina onde cabem inteiros sete
séculos. De seguida, demorada passagem pela feira de livros antigos e de
ocasião, verdadeira tentação para um homem da minha condição. Place Kleber
animada à noite como se fosse meio-dia e o sol tonificasse esta gente habituada
a invernos de graus negativos.
O friso no interior com belas figuras e o Cristo suspenso |
- Nada que uma excelente raclette
em torno de uma mesa com amigos vindos expressamente para estar comigo não
curasse. Lionel a mulher e os três filhos faziam as honras do jantar, ao todo
dez pessoas animadas, onde a discussão desordenada e timbrada não deu lugar a
um minuto de silêncio. Tento escapar como posso à tentação de todas as
iguarias, entregando-me ao convívio e à camaradagem que é afinal o que mais
aprecio e me sacio. Ao fundo da grande sala ardia um fogo para o qual escapava
de tempos a tempos, o cérebro envolvido na melopeia de fundo que tudo e nada
retinha, mas aquietava o viajante solitário. Descer daquele momento ao interior
de mim e levantar o relato das memórias idas, o signo tangível da minha
verdadeira essência!
- Hoje de manhã fomos tomar café a casa da Anne ex-mulher do meu amigo.
Sob nevoeiro cerrado, frio que desceu a -2 graus, ruas silenciosas asfixiadas
pela neblina e o domingo quedo, conferiam à paisagem um ar irreal que o
silêncio pesado agigantava de quietude. O bairro onde ela vive com o Bernard, é
um conjunto de casas ajardinadas, quase todas no mesmo estilo arquitectónico,
que temos de serpentear por entre ruas estreitas, todas iguais, onde não se vê
vivalma. Lá dentro, depois do cerimonial de nos descalçarmos que nos toma a
paciência, diante de uma chávena de café e biscoitos por ela confeccionados,
está-se bem. A serenidade é talvez o elemento que melhor decora as divisões,
onde tudo está em ordem como se lá não morasse ninguém. Conversa de
circunstância, palavras escolhidas, tudo muito soft e vazio e hops que se faz tarde. Apesar disso, ligeira fricção
quando Anne me falou de uma exposição que foi ver e “gostou muito” de Joana de
Vasconcelos.
- Depois de almoço fui conhecer o Museu de Arte Moderna. Com vinte anos
de existência e uma arquitectura toda em vidro como hoje se encontra por todo o
lado. O interior é muito pobre em arte. À parte uma ou outra tela, nada de
verdadeiramente substancial me prendeu. Um Kandinsky aqui, um Picasso mais além.