Quarta, 20.
Ontem trabalhei das 8,30 às 19 horas,
com primeiro intervalo para o café pelas 10 da manhã, depois o almoço e logo de
seguida outra sessão, tendo chegado às 150 páginas minuciosamente escrutinadas,
isto é, metade do romance revisto. Annie e Robert lamentavam-se não me terem
visto todo o dia, fechado como estive no quarto azul do primeiro andar.
- Hoje saí muito cedo para o centro. Primeiro, a S. Michel ao encontro
dos meus livros; segundo, aos Champs-Élysées para o rendez-vous com Christian. Tomámos de seguida a navette que nos deixou na Fundação Louis
Vuitton. Zero graus era a temperatura naquela célebre artéria da cidade. Dentro
do museu demorámo-nos umas três horas em visita à exposição da multifacetada
artista-arquitecta Charlotte Perriand.
- Francis pediu-me para interceder junto da Annie para que ele e o seu petit oiseau viessem almoçar cá a casa
no domingo. Acontece que o Robert é homofóbico, e com a idade, contra os gilets jaunes, os que lutam pela
democracia em Hong Kong, a pobreza e assim. Francis é um amigo da Annie que nos apresentou há uma data de anos e com quem eu prontamente simpatizei, nas tintas
para as suas escolhas sexuais que só a ele dizem respeito. Já falei no assunto,
mas Robert respondeu: “J´en ai marre des homos!” Bom.
- Uma capa de geada cobria o parque de la Courneuve que avisto da janela
do meu quarto. Pela primeira vez desde que cheguei a Paris, a cidade foi
inundada de sol. Pese embora o frio gélido, pude usufruir das ruas com o
sentimento da alegria pegado aos poros da pele. Tudo toma outra dimensão:
pessoas, árvores, edifícios, o movimento citadino, os lagos, o Sena, as
avenidas rasgadas com suas esplanadas e bistros cheias de gente feliz. É a
alegria, a saúde que toma por inteiro esta humanidade rezingona, insatisfeita,
instável – assim, de súbito, tudo se irmana sob a tiara do astro-rei.