quarta-feira, novembro 20, 2019

Quarta, 20.
Ontem trabalhei das 8,30 às 19 horas, com primeiro intervalo para o café pelas 10 da manhã, depois o almoço e logo de seguida outra sessão, tendo chegado às 150 páginas minuciosamente escrutinadas, isto é, metade do romance revisto. Annie e Robert lamentavam-se não me terem visto todo o dia, fechado como estive no quarto azul do primeiro andar.

         - Hoje saí muito cedo para o centro. Primeiro, a S. Michel ao encontro dos meus livros; segundo, aos Champs-Élysées para o rendez-vous com Christian. Tomámos de seguida a navette que nos deixou na Fundação Louis Vuitton. Zero graus era a temperatura naquela célebre artéria da cidade. Dentro do museu demorámo-nos umas três horas em visita à exposição da multifacetada artista-arquitecta Charlotte Perriand.  

         - Francis pediu-me para interceder junto da Annie para que ele e o seu petit oiseau viessem almoçar cá a casa no domingo. Acontece que o Robert é homofóbico, e com a idade, contra os gilets jaunes, os que lutam pela democracia em Hong Kong, a pobreza e assim. Francis é um amigo da Annie que nos apresentou há uma data de anos e com quem eu prontamente simpatizei, nas tintas para as suas escolhas sexuais que só a ele dizem respeito. Já falei no assunto, mas Robert respondeu: “J´en ai marre des homos!” Bom.


         - Uma capa de geada cobria o parque de la Courneuve que avisto da janela do meu quarto. Pela primeira vez desde que cheguei a Paris, a cidade foi inundada de sol. Pese embora o frio gélido, pude usufruir das ruas com o sentimento da alegria pegado aos poros da pele. Tudo toma outra dimensão: pessoas, árvores, edifícios, o movimento citadino, os lagos, o Sena, as avenidas rasgadas com suas esplanadas e bistros cheias de gente feliz. É a alegria, a saúde que toma por inteiro esta humanidade rezingona, insatisfeita, instável – assim, de súbito, tudo se irmana sob a tiara do astro-rei.