Domingo, 17.

Neva em grandes zonas de França. Diz-me o Robert que é inabitual nesta altura do ano. Por contraste, Veneza foi inundada e a Praça de S. Marcos é um lago com mais de um metro de água, várias igrejas foram afectadas. Eu conheci isso, embora em proporções mais brandas, quando uma manhã entrei na Basílica de S. Marcos e sentiu os pés encharcados. O clima a tudo se presta: ora é porque não chove, ora porque faz demasiado calor.

         - Novo dia de luta para os gilets jaunes. Embora mais calmo, os bravos manifestantes não deixaram de invadir as Galeries Lafayette denunciando a sociedade de consumo. Idênticas acções tiveram lugar em Cambrai e noutras partes de França.

         - Almocei com o Francis. Como sempre ao menu não faltou Napoleão III, a irmandade homossexual dos artistas e homens da política e das letras, o seu “petit oiseau”, um rapaz rico de 25 anos que se apaixonou por um velho de 80. Francis vive esta relação como se fosse a última, banhado de uma espécie de luz que ofusca tudo o que surge à sua volta. Depois do almoço, sentado próximo do canal que passa a dois metros da janela, folheei o álbum de gravuras originais do século XVIII. Este lote de 153 águas fortes, vai seguir para a América que o comprou por uma fortuna. Começa com uma gravura de Fragonard de 1789 e corre uma série de artistas de uma genialidade admirável, retratando a Revolução até 1793. Para o folhear de fio a pavio, Francis obrigou-me a calçar luvas brancas como fazem os técnicos dos museus. Regressei a casa com o catálogo de 32 litografias de Daumier (1808-1879) e o cartaz da exposição Honoré Daumier et l ´Europe com textos seus e de Michel Raskin-Daubigny, neste momento na Maison-Atelier de Daubigny, em Aubers-sur-Oise e tocado pelo excelente Riselling.

         - Alcancei o tempo perdido. Tendo-me obstinado na correcção de O Juiz Apostolatos, feitas as contas às dez páginas diárias, já repus o plano traçado inicialmente. Resta-me prosseguir com entusiasmo o trabalho e não ceder a todas as solicitações. Dito isto, transgredi hoje e vou voltar amanhã a violar a intenção e na quarta-feira num almoço com o Christian que vem de Lille de propósito. Nem tento pesar-me para não desfalecer. Pelo menos mais dois quilos terei.