Quinta, 28.
Remoo sem descanso o primeiro capítulo
do romance que me deixou desagradado. Vou ter que o reler pela quarta vez, de
modo a obter um parecer da insatisfação que me deixou.
- Fomos ver o filme J´acuse de
Roman Polanski. Essencialmente fala de honra e consciência moral por contraste
com o mundo de hoje cujos valores éticos foram transferidos para a importância do
dinheiro e poder. O curioso da argumentação, vem do facto de a inocência de
Dreyfus ser feita por um anti-semita, Marie-Georges Picquart, interpretado por
Jean Dujardim. Todo o filme é uma obra de arte, de equilíbrio sólido, servido
por uma narrativa argumentativa corrente, bem desenhada, com todos os actores e
fundamentos de época bem enquadrados, denunciando o cinismo do poder do
exército francês. O oficial que todos querem encobrir e esteve na origem
daquele triste caso que abalou a França do princípio do século passado, e levou
ao célebre artigo de Zola, é Marie Charles Ferdinand Walsin Esterházy. Foi ele
que compôs o famoso bordereau em nome
de Dreyfus de origem judaica, inculpando-o de passar informação confidencial
para os alemães. Em consequência o capitão é enviado para as masmorras da ilha
do Diabo onde iria apodrecer não fosse a chegada ao processo de Picquart. Este
empreende nova investigação, contra todas as formas de ética militar, que
conflui na inocência de Dreyfus e na culpa de Esterházy. Novo julgamento tem
lugar e o tribunal aceita, embora não totalmente convencido, libertar o
prisioneiro.
Mas o filme pode também ser visto de outro prisma: o da caça às bruxas.
O próprio realizador, tem sido enlameado devido a suposto envolvimento ou toque
ou outra qualquer forma de enamoramento que dizem ter tido com menores há
quarenta anos! Algumas instituições francesas, nomeadamente, escolas e
organismos oficiais, dirigidos por feministas fanáticas, tudo têm feito para
evitar que raparigas e rapazes à sua guarda, vejam um filme absolutamente
indispensável nos dias de hoje. Alguma informação também tem uma parte de
culpa, como aconteceu com a França dos finais do século XIX quando o caso Alfred
Dreyfus dividiu a nação francesa. E, portanto, o filme devia pela tolerância,
liberdade, vigor e realidade histórica, ser visto não só pelos franceses como
por todos os europeus. Ainda hoje há muito anti-semitismo como provam recentes
ataques a cemitérios, sinagogas e assim.
Uma última nota a destacar a coragem do escritor-jornalista Émile Zola
que no L´aurore publicou o seu famoso
J´acuse, que os meus olhos viram de
perto quando visitei a sua mansão nos arredores de Paris. Zola esteve um ano na
prisão e pagou 3000 francos de multa. Foi morto intoxicado pela sua chaminé,
mas na altura toda a gente disse que tinha sido assassinado pelos anti-dreyfusanos.
- Dia pardacento. Durante toda a
semana chuva e temperatura pelos 13 graus centígrados. Mas hoje, apesar de
encoberto, o frio instala-se a pouco e pouco. A semana que vem, os entendidos
em meteorologia, anunciam-nos arrefecimento acentuado. Amanhã tornamos a Cambrai.