Sexta, 8.
Outro dia, quando esperava em Charles De
Gaulle que Robert viesse buscar-me, sob um frio cortante, assisti à dança dos
táxis e das motos-táxi. Trata-se de potentes BMW que trazem o cliente de
capacete, blusão e uma pequena cobertura nos joelhos em couro forrado a lã. Sentado
na parte de traz, com os rins apoiados a uma saliência, assim que chega ao
aeroporto, o condutor retira-lhe a protecção dos joelhos, o casaco e por fim o
capacete, que guarda na caixa na parte de trás do veiculo sem que antes retire
os haveres do freguês e a mala que viajou presa a um estrado na suas costas. Prático,
rápido, moderno e a um preço muitíssimo mais barato que um carro. Comparando as
distâncias entre Palmela e o aeroporto de Lisboa, constatei que era vinte por cento
menos que eu pago quando chamo um táxi.
- Na véspera de sair, trabalhei no Epílogo do romance nove cheias horas.
Uma obsessão que me custou caro, pois o sistema nervoso cedeu e tive de enfiar
dois Valdispert para acalmar. Agora, aqui, resta-me encontrar espaço para fazer
a terceira e última revisão, cujo calendário fixei em 10 páginas/dia. A verdade
é que ainda não consegui começar a cumprir o programa e já lá vai uma semana.
- A grande culpada é Paris. Claro que os amigos preenchem uma boa parte
dos meus dias, mas são os livros, os museus, que os devoram. Outro dia, chez Gibert Joseph, Boulevard Saint
Michel, nos seus quatro andares, olhando as estantes alinhadas por autores e
temas, exclamei: “C´est pas possible!”
Duma assentada, vi uns quantos volumes que me tentaram e com avidez folheei. Se
vivesse aqui, os meus dez mil exemplares de Palmela, duplicariam. Roubaria ao
estômago para dar à alma e ao espírito o alimento fundamental à sua e minha
existência. E não haveria nenhum dia que retornasse a casa sem a companhia de novos
amigos.
- O frio instalou-se. Felizmente que o tempo moche dos últimos dias, deu lugar a um sol fraco e sem brilho,
todavia resplandecente. Flanar ao acaso pelas ruas e avenidas, é
aprisionarmo-nos da atmosfera contagiante de história que se solta de cada
fachada, de cada igreja, de cada monumento, rua ou beco, jardim ou passagem
coberta com seus ornatos do XVIII ou XIX séculos. É também ficar horas
esquecidas nos terraços dos cafés, olhando as águas do Sena onde se reflectem
os monumentos-instituições que o ladeiam, é escutar os franceses e o seu eterno
descontentamento, o seu espírito critico, o seu modo gauche de ver a vida. É deliciarmo-nos com o movimento incessante
de gentes de todo o mundo atravessando as ruas às ordens dos semáforos, do
caudal do trânsito, cobertas dos pés à cabeça, os rostos assomando por entre as
ranhuras dos agasalhos como fantoches sem expressão. É respirar o ar poluído,
injectado do aroma cultural que apesar de tudo permanece, volteado nas Fábulas
de la Fontaine, ou no humor de Molière...
- Strasbourg. Sou recebido como um rei. Lionel ofereceu-me a sua
maravilhosa casa, cheia recantos e alegria dos dois filhos, uma rapariga e um
rapaz. Estão menos 2 graus, mas aqui o conforto expande-se em amizade e
ternura. O quarto que me foi reservado, no primeiro andar da vasta vivenda, é
todo em madeira clara, acolhedor, pleno de livros. Que mais quero eu depois de
uma viagem esgotante de seis horas?