sexta-feira, junho 22, 2018

Sexta, 22.
Dia magnífico. Quando deixei a Brasileira com o António Carmo, Gordilho, um pintor brasileiro, Teresa Magalhães e Alexandre, numa festa onde não faltou nada de substancial para nos unirmos e gozarmos o prazer da tertúlia que nenhum deles quer deixar morrer, desci à Baixa com o Carlos para almoçarmos na Adega da Mó. Com o Irmão que respira história d´arte, as discussões não têm fim e chegam a cansar porque ele está sempre de serviço ao conhecimento. Aceitei a refeição impondo-lhe apenas dois copitos e deste modo pude passar o resto da tarde à conversa e em risada que por vezes me obstruía a fala. Ele é patusco de feitio e de aspecto e as nossas quase diárias conversas telefónicas são infindáveis e quando estamos juntos divertimo-nos imenso. Subir ou descer o Chiado com ele, é como receber uma lição de arte. Cada pedra das fachadas das igrejas, das velhas lojas e dos contrabaixos de determinados edifícios, ele sabe de cor o nome e textura, quem mandou edificar, que problemas houve no séc. XVI ou XVIII. Para não falar nos interiores dos templos onde neste ou naquele ele deixou a sua marca no restauro oitocentista de um saber e perfeição admiráveis. Falou-me também das peças em marfim de um ilustre banqueiro português, adorado no Reino Unido, que ele está a restaurar e da personalidade do homem que eu, do pouco que conheço, me junto em elogios. Separámo-nos já tarde: eu de regresso a casa, ele à Lapa para trabalhar duas ou três horas mais.


         - De regresso a casa! Há uma luz na frase, um apressar de passo deixando para trás a cidade agressiva, desarrumada, ruidosa onde apetece ir e fugir de pronto. Há no movimento desordenado das ruas, um chamamento bucólico do campo no adeus ao calor, à tarde abafada, ao barulho dos cafés e esplanadas. Uma fuga íntima que vai crescendo à medida que sentimos o perfume das árvores, das ervas, e respiramos o ar rarefeito que chama a noite plena no silêncio das estrelas, no estio que langoroso se arrasta na recordação que ficou quando no rio avistamos o pôr-do-sol que tem rigorosamente a mesma comovente beleza da nossa infância.  

Azul e ouro no dizer da Gi que me enviou esta foto