segunda-feira, junho 04, 2018

Segunda, 4.
Vinha eu de Setúbal de regresso a casa, quando encostei o veículo na berma da estrada para anotar uma ideia que a Joaquina, empregada de Lúcia, me bichanou ao ouvido. Estava eu a passá-la para o bloco que trago sempre no carro, quando se abeira um GNR perguntando-me se estava bem. Perante a minha surpresa, ele adiantou, correctamente: “Pensei que lhe tinha dado qualquer coisa, porque o vi sair da estrada de repente. - Mas há algum problema, fiz algo errado? – Não”, bateu-me a pala e voltou ao seu carro.

         - Já aqui abordei o assunto e vou voltar a ele empurrado por Matzneff. Diz o autor de La Diététique de Lord Byron no dia 29 de Novembro de 2015: “J´ai 78 ans, un câncer, mes  amis savent que mes jours sont comptés, et cependant le téléphone ne sonne jamais, ou presque jamais. Le nombre de prétendus amis qui se passent admirablement de moi, c´est incroyable.” Esta anotação desesperada, lembra-me Klaus Mann. Ambos têm (Gabriel) e tinham (Klaus) amigos inumeráveis. No caso do filho de Thomas Mann, havia-os por toda a Europa e mesmo pelo mundo fora. E no entanto, a solidão era terrível ao ponto de se ter suicidado em Nice. Ao alargar a minha constatação, vejo muita gente nesta condição. Pelo que a mim me diz respeito, tendo escolhido a isolamento por companhia, não dispenso a amizade e gosto de estar com os amigos. Mas... vejo a sua aproximação sempre como um acontecimento, uma alegria inusitada, que não espero nem exijo. Aprendi a estar comigo, a abastecer-me do silêncio, da paz, da ocupação da escrita e da leitura, do espaço onde tenho a graça de viver, e conto com a presença de Deus na minha vida. E quem acredita, nunca está só. A liberdade é um dos fundamentos dos ensinamentos divinos.

         - Tempo brumoso de outono.

         - A verdade é esta: quando trabalho todas as manhãs no romance, estou fechado num espaço reduzido a dois metros quadrados.


         - Vai por aí um grande alarido porque Donald Trump rasgou certos acordos comerciais e industriais. Quem grita são os grandes interessados, estados e centrais comerciais. Os Estados Unidos decidiram taxar o aço e alumínio. A UE, o Canadá e México ameaçam retaliar com taxas a importação de bens da América. O costume. A vingança serve-se fria, não é verdade. Todos querem a economia global, assim como desejam as guerras, o sexo, o crime financeiro, e por aí fora. Só a fome, a indignidade, os baixos salários e a nova escravidão, não fazem parte das preocupações do grande capital e dos Governos a ele rendidos. Não morro de amores pelo Presidente dos Estados Unidos, mas estou sempre de atalaia aos seus gestos mais do que às suas palavras. Há nele, todavia, algo que me seduz: a coragem de desarrumar o mundo. Mundo que os estacionados comodamente temem não pelas pessoas e seus dramas, mas pelos negócios, a sua vidinha opaca e confortável. Trump tem todo o direito de aplicar taxas aos produtos importados, como os outros possuem a leviandade de comandarem a indústria e o comércio nos seus países sob o domínio dos mais fortes que são quem faz a política dos nossos dias. A partir do momento em que se admite a globalização, está-se a aceitar o domínio dos mais fortes em desfavor dos mais frágeis, a criar uma larga faixa de pobreza esquecida no fundo dos países periféricos. Com a globalização, quem manda  e dita as leis, embora nos queiram fazer crer que ganhamos todos, que ela diminui as desigualdades e fortifica a solidariedade, a verdade é que são os países ricos, as multinacionais a regular não só o comércio como a contratação colectiva do trabalho. Com a globalização, a Planeta vai perder, os cidadãos vão empobrecer, a política vai definhar, a corrupção vai crescer, os produtos essenciais e típicos de cada país vão desaparecer, multidões imensas de seres humanos vão perder a dignidade transformados em tarefeiros a soldo de fantasmas gesticulando furiosos nas altas torres com cem metros de altura.