Segunda, 4.
Vinha
eu de Setúbal de regresso a casa, quando encostei o veículo na berma da estrada
para anotar uma ideia que a Joaquina, empregada de Lúcia, me bichanou ao
ouvido. Estava eu a passá-la para o bloco que trago sempre no carro, quando se
abeira um GNR perguntando-me se estava bem. Perante a minha surpresa, ele
adiantou, correctamente: “Pensei que lhe tinha dado qualquer coisa, porque o vi
sair da estrada de repente. - Mas há algum problema, fiz algo errado? – Não”,
bateu-me a pala e voltou ao seu carro.
- Já aqui abordei o assunto e vou
voltar a ele empurrado por Matzneff. Diz o autor de La Diététique de Lord Byron no dia 29 de Novembro de 2015: “J´ai 78
ans, un câncer, mes amis savent que mes
jours sont comptés, et cependant le téléphone ne sonne jamais, ou presque
jamais. Le nombre de prétendus amis qui se passent admirablement de moi, c´est
incroyable.” Esta anotação desesperada, lembra-me Klaus Mann. Ambos têm
(Gabriel) e tinham (Klaus) amigos inumeráveis. No caso do filho de Thomas Mann,
havia-os por toda a Europa e mesmo pelo mundo fora. E no entanto, a solidão era
terrível ao ponto de se ter suicidado em Nice. Ao alargar a minha constatação,
vejo muita gente nesta condição. Pelo que a mim me diz respeito, tendo
escolhido a isolamento por companhia, não dispenso a amizade e gosto de estar
com os amigos. Mas... vejo a sua aproximação sempre como um acontecimento, uma
alegria inusitada, que não espero nem exijo. Aprendi a estar comigo, a
abastecer-me do silêncio, da paz, da ocupação da escrita e da leitura, do espaço
onde tenho a graça de viver, e conto com a presença de Deus na minha vida. E
quem acredita, nunca está só. A liberdade é um dos fundamentos dos ensinamentos
divinos.
- Tempo
brumoso de outono.
- A verdade é esta: quando trabalho todas
as manhãs no romance, estou fechado num espaço reduzido a dois metros
quadrados.
- Vai por aí um grande alarido porque
Donald Trump rasgou certos acordos comerciais e industriais. Quem grita são os
grandes interessados, estados e centrais comerciais. Os Estados Unidos
decidiram taxar o aço e alumínio. A UE, o Canadá e México ameaçam retaliar com
taxas a importação de bens da América. O costume. A vingança serve-se fria, não
é verdade. Todos querem a economia global, assim como desejam as guerras, o
sexo, o crime financeiro, e por aí fora. Só a fome, a indignidade, os baixos
salários e a nova escravidão, não fazem parte das preocupações do grande
capital e dos Governos a ele rendidos. Não morro de amores pelo Presidente dos
Estados Unidos, mas estou sempre de atalaia aos seus gestos mais do que às suas
palavras. Há nele, todavia, algo que me seduz: a coragem de desarrumar o mundo.
Mundo que os estacionados comodamente temem não pelas pessoas e seus dramas,
mas pelos negócios, a sua vidinha opaca e confortável. Trump tem todo o direito
de aplicar taxas aos produtos importados, como os outros possuem a leviandade
de comandarem a indústria e o comércio nos seus países sob o domínio dos mais
fortes que são quem faz a política dos nossos dias. A partir do momento em que
se admite a globalização, está-se a aceitar o domínio dos mais fortes em desfavor
dos mais frágeis, a criar uma larga faixa de pobreza esquecida no fundo dos países
periféricos. Com a globalização, quem manda
e dita as leis, embora nos queiram fazer crer que ganhamos todos, que
ela diminui as desigualdades e fortifica a solidariedade, a verdade é que são
os países ricos, as multinacionais a regular não só o comércio como a contratação
colectiva do trabalho. Com a globalização, a Planeta vai perder, os cidadãos vão
empobrecer, a política vai definhar, a corrupção vai crescer, os produtos
essenciais e típicos de cada país vão desaparecer, multidões imensas de seres
humanos vão perder a dignidade transformados em tarefeiros a soldo de fantasmas
gesticulando furiosos nas altas torres com cem metros de altura.