quinta-feira, junho 21, 2018

Quinta, 21.
Tenho vindo a fugir a um almoço a sós para não ter de ser cúmplice da sua conversa travestida de homem sério e honesto, apaixonado e terno, dedicado ao seu amigo com quem casou há dois anos, mais velho um bom par de primaveras. Não quero cair naquele disfarce onde o que vem à superfície é invariavelmente a casa que o outro ajudou a ser sua pagando as prestações ao banco, um complemento de ordenado por cônjuge e o direito a uma boa percentagem da reforma no caso de morte do companheiro. A querida União Europeia onde o mais velho trabalha, tornando-nos a todos seus escravos, possui rendimentos para dar e vender. O jogo, todavia, é sempre o mesmo quer se trate de casamento bi ou homo.

         - A propósito, terça-feira, almocei no Corte Inglês. Depois desci às catacumbas para liquidar o saldo dos meus gastos e aí deparo-me com uma cena canalha só comparada àquela que vivi no Chiado nessa manhã. Um casal já idoso, discutia acerca da conta que ele tinha acabado de saldar ao balcão. Ela que devia ser a ricaça, atirava com as folhas de prova para o chão e alto e bom som dizia que era vitima de violência doméstica, que não confiava nele, etc. O homem ante os olhares de toda a gente, decide levar o drama para a comédia. Em vão. Por pouco não assistia a uma cena de pugilato idêntica à que por um triz ia acontecendo à porta da Brasileira. Ainda há quem acredite no casamento.

         - Ainda terça-feira, à mesa do café, a viva e apaixonante discussão entre Virgílio, João, Mário, António onde pela porta larga do convívio entrou a política, a arquitectura, a pintura e a escultura, literatura e a cidade com seus obreiros assassinos e seus arquitectos mágicos. Nas minhas costas, só, assistindo impávido à vaga de temas, estava o nortenho Souto de Moura.

         - Estou a terminar Apologético. Tertuliano, a páginas 497, diz: “Nós abstêmo-nos (os cristãos) de defraudar o que quer que seja do que nos não pertence. De sorte que, a calcular-se o que se perde para o erário público, quer pelas vossas fraudes, quer pela falsidade das vossas declarações fiscais, facilmente se poderão ver as contas a bater certo, compensada que se achará a queixa de um só tipo de impostos, pela certeza e regularidade de todos os outros pagamentos.” Estamos no séc. III d.C. Quem diria!

         - Trump não deixa o palco. Desta vez o mundo insurgiu-se contra ele porque decidiu separar os filhos dos pais que pretendem entrar sem documentação nos Estados Unidos. Trancou as crianças numa caixa metálica fechada por rede metálica. De facto, os gritos desesperados dos inocentes, rasgam-nos o coração. Mas na origem destes dramas está o aproveitamento dos progenitores usando os filhos para que o assalto se concretize. A Europa e os EUA vivem um drama lancinante com milhares de imigrantes a entrarem-lhes pelas fronteiras terrestres e marítimas. Nos anos Sessenta e Setenta, os portugueses que passaram a salto para França, instalavam-se e só depois faziam chegar os filhos. Ninguém parece encontrar uma política que evite tais dramas – e assim as vidas humanas, pela banalização do sofrimento, estão transformadas num estorvo.  


         - Começou hoje o Verão com uma noite e dia de trovoada e chuva abundante. Num país onde todos nos aldrabam, até o Verão se associa.