Terça,
3.
Mário
Soares está entre a vida e a morte há duas semanas no Hospital da Cruz Vermelha . Os
médicos que se ocupam do ilustre homem, começaram por lhe chamar Doutor, mas
rapidamente passaram cerimoniosamente a o apelidar de Presidente. Percebe-se a reprimenda.
Num país de doutores começa a ser depreciativo utilizar tal denominação. Há
tantos que a inflação desvalorizou a consagração. Agora presidentes há
meia-dúzia, ainda que só um em exercício e, portanto, Presidente... Dito isto,
é curioso o destino. Penso que deve ser inevitável para as pessoas da minha
geração, fazer a comparação com Oliveira Salazar que naquela unidade hospitalar
se demorou em convalescença e a procissão de amigos e, sobretudo, de fiéis que
apareciam nas câmaras de televisão a desejar ao insigne desaparecido “rápidas
melhoras”. Vamos ver se os sinais não são avisos de um mundo que vai desaparecer
também com Soares...
- Nunca se consegue registar tudo o
que se vive, sente e vê numa viagem. Como ando para todo o lado com um pequeno
bloco de notas, há instantes, folheando-o fui confrontado com impressões que
escaparam a este Diário. Por exemplo, a fila barulhenta de japoneses e chineses
para entrar no Sacher, não no célebre hotel, mas na casa de chá do rés-do-chão.
Uma fatia de Sachertorte com o saber de mais de cem anos custa, acompanhado de
um chá, 23€. Mas o produto vende-se sob mil e uma formas de apresentação, e o
ambiente é insuportável a partir da tarde. De manhã, no dia em que lá estive e
me pude sentar, quando nevava intensamente, não havia praticamente ninguém. Foi-me
assim possível ficar a sós comigo, mergulhado na atmosfera de uma civilização
que gosta de conservar as tradições. Porque quando os nipónicos chegam,
conseguem fazer da noite dia - tal a quantidade de flaches que disparam por
segundo. E onde eles estão, o silêncio foge com medo destes intrépidos
guerreiros dos tempos presentes.