Quarta, 11.
Andaram
com a urna de Mário Soares um dia inteiro para cima e para baixo num
espectáculo caricato que estou certo o defunto não apreciaria. Às tantas,
parecia que o “funeral de estado” havia-se transformado num acontecimento
mediático para agigantar as sombras dos que o amortalharam com discursos ocos na
pressa de o substituir. Salvam-se as comoventes palavras dos filhos, Isabel e
João, e também de António Costa directamente da Índia onde está em visita
oficial. Tudo o resto não passou de um festival de oportunistas, lavados de lágrimas
de crocodilo e hipocrisia desavergonhada. Pela minha parte, tudo o que tinha a dizer
sobre o político e o homem, disse nestas páginas ao longo dos anos do seu
reinado – e não retiro uma palavra.
- Anteontem, passei uma agradável
tarde no atelier do Guilherme Parente, com os nossos amigos comuns. Isto antes
de no Príncipe onde almoçámos ter afrontado um tipo que se diz jornalista e é
um fanático apoiante da família do presidente angolano, Isabel e José Eduardo
dos Santos. Completamente alterado, gritando e esbracejando, trancado no fanatismo
mais primário, o homem foi ao ponto de me querer denunciar quando eu manifestei
a minha opinião sobre José Sócrates e sobre a política fascista que impera em
Angola. Guilherme, Alexandre da Silva (o actor), Alexandre (o sobrinho de
Virgílio), Carlos ( o “irmão”) saíram em minha defesa e reduziram-no à sua
insignificância. Na rua a ridícula criatura veio pedir-me desculpa. Aceitei as
desculpas, mas não torno a privar com um tipo que parece não ter saído das
fraldas fedorentas do salazarismo.
- Frio. Um dia destes acordei com o
campo completamente branco de geada. Foi a primeira vez este ano e o brilho do
chão atapetado da alva camada, deixou-me a impressão dos inícios dos inícios,
quando aqui cheguei lavado dos entusiasmos de quem encontra a felicidade na
folha das manhãs brumosas e dos silêncios sepulcrais das eternidades.
- Terminei e enviei a Maria Estela
Guedes o artigo sobre o Guilherme Parente. Foi um peso que aligeiro. Resta-me
agora avançar com outro sobre a minha ida à sepultura de Julien Green, em Klagenfurt.