quarta-feira, janeiro 11, 2017

Quarta, 11.
Andaram com a urna de Mário Soares um dia inteiro para cima e para baixo num espectáculo caricato que estou certo o defunto não apreciaria. Às tantas, parecia que o “funeral de estado” havia-se transformado num acontecimento mediático para agigantar as sombras dos que o amortalharam com discursos ocos na pressa de o substituir. Salvam-se as comoventes palavras dos filhos, Isabel e João, e também de António Costa directamente da Índia onde está em visita oficial. Tudo o resto não passou de um festival de oportunistas, lavados de lágrimas de crocodilo e hipocrisia desavergonhada. Pela minha parte, tudo o que tinha a dizer sobre o político e o homem, disse nestas páginas ao longo dos anos do seu reinado – e não retiro uma palavra.

         - Anteontem, passei uma agradável tarde no atelier do Guilherme Parente, com os nossos amigos comuns. Isto antes de no Príncipe onde almoçámos ter afrontado um tipo que se diz jornalista e é um fanático apoiante da família do presidente angolano, Isabel e José Eduardo dos Santos. Completamente alterado, gritando e esbracejando, trancado no fanatismo mais primário, o homem foi ao ponto de me querer denunciar quando eu manifestei a minha opinião sobre José Sócrates e sobre a política fascista que impera em Angola. Guilherme, Alexandre da Silva (o actor), Alexandre (o sobrinho de Virgílio), Carlos ( o “irmão”) saíram em minha defesa e reduziram-no à sua insignificância. Na rua a ridícula criatura veio pedir-me desculpa. Aceitei as desculpas, mas não torno a privar com um tipo que parece não ter saído das fraldas fedorentas do salazarismo.

         - Frio. Um dia destes acordei com o campo completamente branco de geada. Foi a primeira vez este ano e o brilho do chão atapetado da alva camada, deixou-me a impressão dos inícios dos inícios, quando aqui cheguei lavado dos entusiasmos de quem encontra a felicidade na folha das manhãs brumosas e dos silêncios sepulcrais das eternidades.


         - Terminei e enviei a Maria Estela Guedes o artigo sobre o Guilherme Parente. Foi um peso que aligeiro. Resta-me agora avançar com outro sobre a minha ida à sepultura de Julien Green, em Klagenfurt.