segunda-feira, janeiro 23, 2017

Segunda, 23.
Sábado passado estive no Museu da Música com o António Carmo que lá expõe uma dúzia de telas com os retratos dos maiores compositores. Nem todos os quadros estão bem realizados, mas o conjunto denota uma técnica que o identifica, um labor de pormenor que o engrandece, a par do jogo de cores que combinam muito bem. Talvez a maior realização seja Wagner que, de resto, dá rosto ao prospecto da exposição. Muita gente, alguns dos seus antigos companheiros do Verde Gaio, hoje a chegar aos setenta anos de idade, mas nem por isso menos divertidos. A dada altura, em frente à pintura de Beethoven, deixaram-se fotografar em posições de dança, tudo com uma graça, uma alegria, um desembaraço corporal de fazer inveja aos zombies que se arrastam pela juventude dos nossos dias. Passou-se um bom momento de convívio e já a noite tinha abraçado a terra quando nos separámos.

         - Estou para ver como vão estar amanhã os rins. Passei duas horas a podar as hortênsias, a preparar vasos com terra e estrume, a dispor as hastes da tosquia de modo a que lá para a Primavera as possa plantar na terra.


         - Esta manha fui entender-me com a Câmara para o pagamento do desastre da água. O curioso foi a constatação do millieu. A funcionária que me atendeu pôs-se logo do meu lado, sofrendo quase tanto como eu, indignada com a importância. Havia na sua voz uma solidariedade que os pobres têm entre si, como se fossem um todo quando uma parte é atingida pela desgraça. Gosto deste modo de ser dos portugueses cá de baixo. São autênticos, reflectem sem fingimentos as dores que sendo do desgraçado passaram a ser também suas. Por contraste, os novos-ricos agrupam-se para celebrar a riqueza do concorrente, mas com uma ponta de inveja de fora. O contubérnio não entra no seu relacionamento humano, tudo neles é aparência, fingimento, arrogância e desprezo pelos seus confrades.