terça-feira, setembro 06, 2016

Terça, 6.
A canícula não nos larga. Ontem deixei a quinta com 41 graus e entrei no Fertagus com a mesma temperatura que foi variando entre os 40 e os 38 ao longo do percurso até à capital. Sobre o Tejo desceu para trinta e cinco graus, mas à chegada a Avenida de Roma estava em 38 graus centígrados. À noite não baixou muito, porque quando regressei a casa o interior do comboio afixava 30 graus. Hoje ameaçam-nos com 40 e 44 graus. E claro os fogos não dão descanso aos infatigáveis bombeiros.

         - Simão levou-nos, à Conceição e a mim, para a Mouraria, que mais parecia o suck marroquino pelas dez da noite, com suas ruas estreitas que negros, chineses e indianos  povoam com seus trajos coloridos, seus odores, sua vida gingona, solta no afugentamento do desespero e condicionada no substrato da sobrevivência. Queria ele levar-me a conhecer um restaurante típico da cozinha além Europa. Para isso entrámos num prédio esventrado, grampámos quatro andares de escadas carcomidas, e chegados ao dito restaurante com língua de fora e a transpirar por todo o lado, que por acaso estava fechado e o dono nos avisou de que para a próxima devíamos telefonar a marcar presença, ainda havia mais um lance de escadas para enfim alcançarmos o terraço exterior de onde a vista sobre a Baixa era de ter em conta a par das iguarias que não cheguei a saber de onde provinham. Voltámos a descer no escuro, sempre na retranca, não fosse surgir ao caminho um miralmuminim armado em vampiro. A fome apertava. Na Almirante Reis, a nossa amiga topou uma casa sua conhecida de há pelo menos quatrocentos anos, tipicamente portuguesa, com um excelente ar condicionado que nos soube melhor a par da cerveja fresca que todo o repasto. No caso uma marisqueira com a particularidade de a Conceição ser alérgica a qualquer tipo de bivalvo. Bref. Prossigamos. Antes – e foi esse o motivo que me levou a Lisboa – estivemos num apartamento entre a Praça do Areeiro e o Aeroporto, que o Simão quis que eu opinasse antes de assinar o contrato com a proprietária e mudar-se da Baixa para lá. Outra curiosidade: eu gostei do espaço, vi nele possibilidades de conforto e dignidade de vida; a Conceição detestou-o e deixou ainda mais baralhado o nosso amigo.


         - Aproveito a deixa para dissertar sobre o que é nos nossos dias a segurança das pessoas ou antes a falta dela. Já não estamos seguros em lado nenhum: emprego, rua, espaços públicos, habitação, igrejas. O Estado com a chama caritativa do protecionismo, reduziu-nos a seres periclitantes de equilíbrio. É o caso da lei do arrendamento. Agora, ao fim de um curto período de tempo, ou porque o senhorio deixou de simpatizar com o inquilino, ou porque quer fazer dinheiro fácil, ou porque os filhinhos queridos não o deixam dormir, enfim, por mil e uma razões o senhorio pode pôr o arrendatário na rua. Quer ele tenha arranjado pouso ou não. O desarranjo que um cenário destes provoca nas pessoas que não são proprietárias da sua habitação, deve ser enorme. Se ainda por cima, como no meu caso e no do Simão, houver milhares de livros a demover, então é catastrófico. Para não falar dos preços mirabolantes que pedem por um buraco indigno. Lembro-me de Julien Green que aos noventa anos de idade teve que enfrentar o dono do apartamento onde vivia que tudo fez para o pôr fora. Que mundo este! Eu desde que abandonei o tecto familiar, só tive dois endereços: o da Rua de S. Marçal, ao Príncipe Real e este onde escolhi viver em permanência desde 1998. Que Deus me proteja de terrores semelhantes e me conserve por muito tempo neste sítio aprazível onde me sinto no paraíso.