sábado, setembro 24, 2016

Sábado, 24.
Eis um quadro daquilo a que Albano Martins na sua antologia Do mundo grego outro sol, chama A Musa dos Rapazes. Escolhi alguns epigramas que o autor diz “corporizar, enquanto matéria literária, o exemplo mais acabado da nudez essencial”, a que eu acrescentaria e da liberdade primeira. Por ser o mais divertido, Estráton, natural de Sárdis, viveu na primeira metade do século II d.C.. Autor talvez impropriamente chamado de erótico, deixou-nos, através dos seus poemas, um fresco saboroso da vida na Grécia do seu tempo. Como nos filmes, ponho uma bolinha para os/as mais puritanos não se encolham de vergonha...


1. Gosto dos rapazes de tez branca e amo também os loiros
como o mel, mas gosto igualmente dos morenos.
E não desdenho das pupilas claras, mas amo sobretudo os olhos negros e brilhantes.
  
2. Nas raparigas não há um esfíncter, nem beijos
inocentes, nem odor natural da pele, nem olhar
cândido. E as experientes são piores ainda.
Todas são frias por detrás. E o mais importante
é isto: não há onde pousar a mão vagabunda.

3. Se faço mal em te beijar e isso te parece uma ofensa,
beija-me e aplica-me o mesmo castigo.

4. Quem te cobriu de rosas? Se foi um amante
é um homem feliz. Se foi o teu pai, também ele tem olhos.

5. Não aprecio as cabeleiras e esses aneizinhos aos montes,
que são efeitos, não da natureza, mas do artifício.
Mas gosto de ver um rapaz saído da palestra sujo do pó,
com a pele toda molhada de suor.
O meu amor compraz-se sem enfeites. A beleza
Artificial é própria da Cípris feminina.

6. Tu beijas-me, eu não quero, Eu beijo-te, e tu não queres,
contente, se te fujo, melindrado, se te persigo.

7. Tu encostastes ao muro as tuas nádegas soberbas,
Círis. Porque tentas a pedra? Ela é impotente.

8. Agora és primavera, logo serás verão. E depois, que esperas tu,
Círis? Decide-te, pois serás também palha no outono.

9. Tu és um jovem inexperiente e delicado e vais partir
para as fileiras. Vê bem o que fazes. Muda de ideias.
Ah!, quem te levou a empunhar uma lança, a segurar na mão
um escudo, a esconder num elmo a cabeça?
Oh! feliz, quem quer que ele seja, o novo Aquiles
Que vai gozar, sob a sua tenda, de semelhante Pátroclo!

10. Não foi o roubo do fogo que te agrilhoou, mal-avisado Prometeu,
mas a argila de Zeus que subtraíste.
Ao modelar o homem, aplicaste-lhe pêlos. É daí que vêm
esta barba horrível e as pernas cabeludas dos nossos rapazes.
É por isso que te dilacera a águia de Zeus que raptou
Ganimedes: até Zeus sofre com a barba.

11. Se és tão orgulhoso da tua beleza, olha que a rosa também floresce,
mas depressa perde o viço e é atirada para o lixo.
A flor e a beleza têm a mesma duração:
O tempo cioso a ambas murcha.

12. Se a beleza envelhece, partilha-a, antes que ela se vá.
Se ela dura, porque tens medo de oferecer o que persiste?

13. Tu fizeste um anzol e apanhaste um peixe. Sou eu, meu amor.
Puxa-me quando quiseres; não corras, eu não te fujo.

14. Diante de um rapaz de tez branca, fico perdido. Se tem a cor de mel,
fico a arder. E, se é loiro, desfaleço completamente.  

Já agora para terminar até porque cabe aqui bem, vou citar Meléagro (140-60 a. C.):

Se vejo Téron, vejo tudo. Se vejo tudo,
Mas não o vejo a ele, ao contrário, nada vejo.

Nunca mais escreverei que Téron é belo, nem Apolódoto, outrora
uma brasa, hoje um tição. Gosto do sexo feminino.
O torno dos buracos peludos destes devassos

Deixo-o para os pastores que montam as cabras.