Sábado, 24.
Eis um quadro daquilo a que Albano
Martins na sua antologia Do mundo grego
outro sol, chama A Musa dos Rapazes. Escolhi alguns epigramas que o autor
diz “corporizar, enquanto matéria literária, o exemplo mais acabado da nudez
essencial”, a que eu acrescentaria e da liberdade primeira. Por ser o mais
divertido, Estráton, natural de Sárdis, viveu na primeira metade do século II
d.C.. Autor talvez impropriamente chamado de erótico, deixou-nos, através dos
seus poemas, um fresco saboroso da vida na Grécia do seu tempo. Como nos
filmes, ponho uma bolinha para os/as mais puritanos não se encolham de
vergonha...
1. Gosto dos rapazes de tez branca e amo
também os loiros
como o mel, mas gosto igualmente dos
morenos.
E não desdenho das pupilas claras, mas
amo sobretudo os olhos negros e brilhantes.
2. Nas raparigas não há um esfíncter, nem
beijos
inocentes, nem odor natural da pele, nem
olhar
cândido. E as experientes são piores
ainda.
Todas são frias por detrás. E o mais
importante
é isto: não há onde pousar a mão
vagabunda.
3. Se faço mal em te beijar e isso te
parece uma ofensa,
beija-me e aplica-me o mesmo castigo.
4. Quem te cobriu de rosas? Se foi um
amante
é um homem feliz. Se foi o teu pai,
também ele tem olhos.
5. Não aprecio as cabeleiras e esses
aneizinhos aos montes,
que são efeitos, não da natureza, mas do
artifício.
Mas gosto de ver um rapaz saído da
palestra sujo do pó,
com a pele toda molhada de suor.
O meu amor compraz-se sem enfeites. A
beleza
Artificial é própria da Cípris feminina.
6. Tu beijas-me, eu não quero, Eu
beijo-te, e tu não queres,
contente, se te fujo, melindrado, se te
persigo.
7. Tu encostastes ao muro as tuas nádegas
soberbas,
Círis. Porque tentas a pedra? Ela é
impotente.
8. Agora és primavera, logo serás verão.
E depois, que esperas tu,
Círis? Decide-te, pois serás também palha
no outono.
9. Tu és um jovem inexperiente e delicado
e vais partir
para as fileiras. Vê bem o que fazes.
Muda de ideias.
Ah!, quem te levou a empunhar uma lança,
a segurar na mão
um escudo, a esconder num elmo a cabeça?
Oh! feliz, quem quer que ele seja, o novo
Aquiles
Que vai gozar, sob a sua tenda, de
semelhante Pátroclo!
10. Não foi o roubo do fogo que te
agrilhoou, mal-avisado Prometeu,
mas a argila de Zeus que subtraíste.
Ao modelar o homem, aplicaste-lhe pêlos.
É daí que vêm
esta barba horrível e as pernas cabeludas
dos nossos rapazes.
É por isso que te dilacera a águia de
Zeus que raptou
Ganimedes: até Zeus sofre com a barba.
11. Se és tão orgulhoso da tua beleza,
olha que a rosa também floresce,
mas depressa perde o viço e é atirada
para o lixo.
A flor e a beleza têm a mesma duração:
O tempo cioso a ambas murcha.
12. Se a beleza envelhece, partilha-a,
antes que ela se vá.
Se ela dura, porque tens medo de oferecer
o que persiste?
13. Tu fizeste um anzol e apanhaste um
peixe. Sou eu, meu amor.
Puxa-me quando quiseres; não corras, eu
não te fujo.
14. Diante de um rapaz de tez branca,
fico perdido. Se tem a cor de mel,
fico a arder. E, se é loiro, desfaleço completamente.
Já agora para terminar até porque cabe
aqui bem, vou citar Meléagro (140-60 a. C.):
Se vejo Téron, vejo tudo. Se vejo tudo,
Mas não o vejo a ele, ao contrário, nada
vejo.
Nunca mais escreverei que Téron é belo,
nem Apolódoto, outrora
uma brasa, hoje um tição. Gosto do sexo
feminino.
O torno dos buracos peludos destes
devassos
Deixo-o para os pastores que montam as
cabras.