quinta-feira, setembro 29, 2016

Quinta, 29.
Um dia desta semana quase não se podia descer ou subir o Chiado. Os turistas eram tantos e tão barulhentos, que metamorfosearam o centro de Lisboa num inferno. O Governo rejubila, os lisboetas torcem o nariz, a cidade despida dos seus habitantes volta ao velho pregão: “Lisboa não sejas francesa... “ Não tarda estamos como Veneza ou Barcelona a correram com esta multidão incaracterística, que orvalha os lugares da massificação ordinária e selvagem. Da Baixa debandaram os inquilinos antigos para dar lugar a uma fauna de gente ociosa e com dinheiro que toma prédios, andares e baiucas inflacionando tudo e atirando a abastança aos rostos estupefactos dos pobres. Não estamos todos escravos destes novos-ricos, mas para lá caminhamos. 

         - Enfim, enfim! Pedro Sánchez vai ser posto na rua. Até Filipe González se diz enganado pelo arrogante dirigente do Partido Socialista espanhol. Se me tivessem lido, há muito que tinham percebido o calibre do sujeito...

         - Faleceu Shimon Peres. Homem de percurso irregular, no começo voltado para o armamento bélico tenebroso, a incompreensão dos vizinhos árabes, por fim interessado na paz. Talvez um pouco tarde, tendo em conta que a guerra nunca desapareceu do seu território e muitas vezes foi assassina para milhares inocentes. 

         - Ontem fui tomar chá com a Maria José à Quinta do Anjo. Antes passei no seu atelier para ver a imagem de Jesus Cristo com mais de metro e meio que ela está a fazer em barro (que deverá passar a bronze) para um cliente privado. Cristo de braços abertos, sorridente (finalmente!), ligeiramente inclinado para a frente, os cabelos descaídos nos ombros. Perguntou-me o que eu achava. Como não sou dado a hipocrisias e do correctamente político fujo como o diabo da cruz, observei que só não gostava da boca. “Da boca?!” pergunta ela muito admirada e um pouco travada de suspeição. “Acho-a um tudo-nada libidinosa, quase erótico-pornográfica.” Maria José não cabia em si de estupefacção. “Essa agora!” Olha e volta a olhar, silenciosa, não despegando da obra. Depois calou-se e continuou a moldar a peça com os dedos numa paciência cristã. Na pastelaria, voltou à carga: “A boca pornográfica!” – Não leve em conta a minha observação. Mas para ser franco até a acho lasciva.” Arregalou os olhos e fechou-se meditabunda para não mais tornar a falar.


         - Anunciam-nos mais uma semana de verão. Que bom! Vou já aproveitar e mergulhar pela enésima vez neste Outono casado com o Verão.