Quarta, 1 de Junho.
Encontrei-o a semana passada. Assim que
me viu, aligeirou o saco demasiado pesado: o pai com um cancro que vai do peito
ao início da perna, como um rio que por ali abaixo procura o mar para se
escapar; a mãe em cadeira de rodas; uma casa para esvaziar em mudança
inevitável; o emprego a que tem de acudir diariamente... Visivelmente também
uma depressão que se foi instalando. “Andava à sua procura e já pensei em ir
perguntar ao Simão (que nos apresentou) por si. Você dá-me coragem de cada vez
que falo consigo, admiro a sua forma de vida, às vezes à noite dou comigo a
tentar ver a vida como você a vê. Sei que me estima e eu gosto de si. Preciso
tanto de amigos como o Helder!” Por momentos fiquei estupefacto. Recompus-me e
tentei levantar-lhe um pouco de coragem e auto-estima, antes que começássemos
os dois a chorar vendo os seus olhos rorejar como dois lagos ao crepúsculo.
Depois, tentando aliviar o momento, disse: “Não sabia que era indispensável a
alguém. Não sendo um cão nem um gato, antes um bicho do mato, pensava que
ninguém prestava atenção ao que digo e escrevo e que nem para companhia servia.”
Riu-se. Rimo-nos. Pressenti que naquele momento um qualquer deus solidário se interpôs.
Eu tinha ganho o dia, ele a confiança e o sorriso.
- Um amigo telefonou a contar-me que estou no primeiro link de não sei
que entrada no Google com este meu blogue. Disse-me também que viu numa página
de ilustres da escrita e da política, alguns livros e fotos meus e acrescentou,
divertido: “É a consagração!” Desatámos a rir, conhecendo-me bem e sabendo que
me seria fácil pôr-me em bicos de pés como faz a avalanche de medíocres
candidatos ao Prémio Nobel. Mas eu sou dos que acreditam no trabalho e na
parábola do Evangelho: o que tiver que vir, virá por acréscimo.
- Esta manhã, muito cedo, reguei as hortênsias que começam a explodir de
cor e beleza. A seguir, deitei mãos ao corta-relva e fiz todo o trabalho em
frente ao salão. Para me sentar depois ao computador e trabalhar na revisão do
nono capítulo do romance ainda sem novo título. Entretanto, lá fora, a tarde
transformara-se numa caldeira de calor. Amanhã vou estar todo o dia a fazer a
revisão final do trabalho que iniciei com o Corregedor e entregá-lo ao
Guilherme ao fim da tarde.
- Ernst Junger anota no seu Diário: J´ai
lu des milliers de livres et écrit des milliers de pages; malgré tout, je fais
encore des fautes d´orthographe. Como Gabriel García Márquez e tantos outros
génios da literatura. É chato, mas não é o mais importante. Sem me querer
comparar a Junger, de cada vez que pego num manuscrito, encontro sempre
pequenos retoques a fazer - é uma obsessão em mim. Mas há para aí gurus nas
grandes editoras, para quem ser-se um bom escritor é apenas não dar erros ortográficos e gramaticais. Ou como diz Rui
Barbosa: “gramaticando com o gramático saber da sua gramática”.