domingo, junho 19, 2016

Domingo, 19.
A semana passada andei extremamente ocupado com o álbum do Guilherme. O grosso do trabalho executado aqui, o resto com o pintor e a filha Maria no seu atelier da Rua da Bica que, por si só, mereceria uma página. O Guilherme Parente, como todos os grandes artistas que conheço ou conheci, é generoso, subtil, doce no trato. A filha vai no mesmo sentido, mas mais assertiva, discreta, segura. O texto fora escrito pela neta de Saramago, Ana Matos. Acontece que nem sempre estive de acordo com o que ela diz acerca da obra do amigo comum o que é normal e, às vezes, tive que corrigir o português. Pai e filha, nessas alturas, com infinita cautela, diziam-me que iriam submeter à autora as minhas correcções, com que prontamente concordei. Que diabo eu não sou a autora de Horas Extraordinárias! Por volta do meio-dia, como é sintomático, o Guilherme, qual bebé terno e sensível, começa e ficar impaciente com... fome. Nós queríamos avançar com o trabalho, mas ele insistia em ir a Belém ao restaurante onde tem mesa e talheres. Vite, vite porque a criança está impaciente. Na esplanada do Associação Regional de Vela, diante do Tejo salpicado dos reflexos do sol, vendo passar os barcos e a turba de veraneantes, acomodámo-nos a uma mesa. De súbito, sobre a toalha imaculada, foram despejadas recordações, amigos, figurões, cenas macacas, enfim, todo o historial de um tempo, vivido a dois termos, pai e filha contemporâneos de um cosmos que um sorveu ardentemente e a outra apalpa ainda as sombras que se agigantam sobre as memórias do seu progenitor. Um tempo copioso correu, intenso, luminoso, afectuoso. De retorno ao atelier, desci depois o Chiado para entrar na fnac. Uma tentação como sempre. Desta vez saí com o primeiro volume dos Ensaios de Montaigne julgo que acabados de sair na Poche.

         - A Selecção deles claudicou uma vez mais. Apesar de ter “o maior jogador do mundo”, o fascinado por si próprio, o egocentrista e arrogante, o pobre rico Ronaldo, é nas ruas e esplanadas, diante das televisões e nos recintos públicos, que os “treinadores de bancada” gritam que somos das quatro melhores equipas do Euro. Com uma pequeníssima e decerto insignificante diferença: nunca ganhámos nada. Portugal sai beneficiado com isso, já que a poluição sonora e ambiental traz ao universo do futebol humildade e menos carga de CO2 para a atmosfera. E até ao jogadores beneficiam ao entrarem de férias mais cedo.

         - O Rio de Janeiro decretou o estado de calamidade, argumentando que não tem dinheiro para fazer cantar um cego e muito menos para a escandalosa despesa dos Jogos Olímpicos com data de começo para Agosto. Mas a coisa tem cobra venenosa. Porque assim falando, o governador, pode obter uns quantos milhões a mais e desta feita meter ao bolso e ao de outros políticos, sem esquecer o Presidente Michel Temer. Deve ser por isso, que o representante do Comité Olímpico sossegou os corruptos de que dinheiro não falta.  


         - Desde quarta-feira que uma voz sem som nem expressão oral me sibilava que devia ir assistir à missa hoje. Há algumas semanas, com efeito, que não entrava numa igreja e este chamamento profundo, vindo de um lugar secreto, de configuração metafísica, não me largou um instante. Chegado à igreja de S. Julião coberta de fiéis, começado o ofício religioso, o meu cérebro soltou-se em efabulações e perdeu-se do lugar para onde fora convidado a estar. Eu tentava reconcentrar-me nas palavras do sacerdote, mas a minha cabeça construía textos, acções, diálogos como é habitual em mim a qualquer hora do dia e muitas vezes durante o sono. Houve, todavia, um momento quando da consagração do Pão e do Vinho que fiquei siderado, submerso num sentimento de pertença, emocionado e participativo que diria fora para esse instante de graça que um, digamos assim, ente superior me havia chamado e eu pude dizer “presente”.