Domingo, 19.
A semana passada andei extremamente
ocupado com o álbum do Guilherme. O grosso do trabalho executado aqui, o resto
com o pintor e a filha Maria no seu atelier da Rua da Bica que, por si só,
mereceria uma página. O Guilherme Parente, como todos os grandes artistas que
conheço ou conheci, é generoso, subtil, doce no trato. A filha vai no mesmo
sentido, mas mais assertiva, discreta, segura. O texto fora escrito pela neta
de Saramago, Ana Matos. Acontece que nem sempre estive de acordo com o que ela
diz acerca da obra do amigo comum o que é normal e, às vezes, tive que corrigir
o português. Pai e filha, nessas alturas, com infinita cautela, diziam-me que
iriam submeter à autora as minhas correcções, com que prontamente concordei.
Que diabo eu não sou a autora de Horas
Extraordinárias! Por volta do meio-dia, como é sintomático, o Guilherme,
qual bebé terno e sensível, começa e ficar impaciente com... fome. Nós
queríamos avançar com o trabalho, mas ele insistia em ir a Belém ao restaurante
onde tem mesa e talheres. Vite, vite porque
a criança está impaciente. Na esplanada do Associação Regional de Vela, diante
do Tejo salpicado dos reflexos do sol, vendo passar os barcos e a turba de
veraneantes, acomodámo-nos a uma mesa. De súbito, sobre a toalha imaculada,
foram despejadas recordações, amigos, figurões, cenas macacas, enfim, todo o
historial de um tempo, vivido a dois termos, pai e filha contemporâneos de um
cosmos que um sorveu ardentemente e a outra apalpa ainda as sombras que se
agigantam sobre as memórias do seu progenitor. Um tempo copioso correu,
intenso, luminoso, afectuoso. De retorno ao atelier, desci depois o Chiado para
entrar na fnac. Uma tentação como sempre. Desta vez saí com o primeiro volume dos
Ensaios de Montaigne julgo que acabados de sair na Poche.
- A Selecção deles claudicou uma vez mais. Apesar de ter “o maior
jogador do mundo”, o fascinado por si próprio, o egocentrista e arrogante, o
pobre rico Ronaldo, é nas ruas e esplanadas, diante das televisões e nos
recintos públicos, que os “treinadores de bancada” gritam que somos das quatro
melhores equipas do Euro. Com uma pequeníssima e decerto insignificante diferença:
nunca ganhámos nada. Portugal sai beneficiado com isso, já que a poluição
sonora e ambiental traz ao universo do futebol humildade e menos carga de CO2 para
a atmosfera. E até ao jogadores beneficiam ao entrarem de férias mais cedo.
- O Rio de Janeiro decretou o estado de calamidade, argumentando que não
tem dinheiro para fazer cantar um cego e muito menos para a escandalosa despesa
dos Jogos Olímpicos com data de começo para Agosto. Mas a coisa tem cobra
venenosa. Porque assim falando, o governador, pode obter uns quantos milhões a
mais e desta feita meter ao bolso e ao de outros políticos, sem esquecer o
Presidente Michel Temer. Deve ser por isso, que o representante do Comité
Olímpico sossegou os corruptos de que dinheiro não falta.
- Desde quarta-feira que uma voz sem som nem expressão oral me sibilava
que devia ir assistir à missa hoje. Há algumas semanas, com efeito, que não
entrava numa igreja e este chamamento profundo, vindo de um lugar secreto, de
configuração metafísica, não me largou um instante. Chegado à igreja de S.
Julião coberta de fiéis, começado o ofício religioso, o meu cérebro soltou-se
em efabulações e perdeu-se do lugar para onde fora convidado a estar. Eu
tentava reconcentrar-me nas palavras do sacerdote, mas a minha cabeça construía
textos, acções, diálogos como é habitual em mim a qualquer hora do dia e muitas
vezes durante o sono. Houve, todavia, um momento quando da consagração do Pão e
do Vinho que fiquei siderado, submerso num sentimento de pertença, emocionado e
participativo que diria fora para esse instante de graça que um, digamos assim,
ente superior me havia chamado e eu pude dizer “presente”.