segunda-feira, março 14, 2016

Segunda, 14.
Não começa bem a semana, não só porque continuo com uma dor insuportável de rins, como o mundo enfiou ainda mais a cabeça no horror da morte. Dois atentados, um em Ancara, outro perto  de Abidjan, na Costa do Marfim fizeram, entre mortos e feridos, quase cem vítimas. O primeiro é atribuído aos curdos; o segundo à Al-Qaeda. Para não falar nas condições dos migrantes em autênticos campos de concentração, sujeitos a chuvas diluvianas e a frios polares. Na Europa dita democrática, só a senhora Merkel parece recordar-se dos horrores da Segunda Guerra Mundial e dos milhares de fugitivos do inferno da Gestapo. Ao largo instalou-se um feroz egoísmo. Nada disto vai terminar bem.


         - O último trabalho de Mário Cláudio, editado pela D. Quixote, numa irrepreensível edição de Maria do Rosário Pedreira, Astronomia, desmonta sem esforço aquilo que é verdadeiramente uma obra de arte e atesta pela diferença qualitativa aquilo que é a “literatura” que por aí pulula como batata podre. O Autor (sim com letra maiúscula), sai como que de la gueule du loup par la gorge du loup, e oferece-nos uma biografia cheia de beleza, humor cáustico, poesia, reminiscências da infância, cotoveladas na pelintrice literária, levando-nos através das 467 páginas ao Gólgota aonde, servindo-se da liberdade sem alçapões, estatela diante de nós na senectude da vida o resumo que não nos afasta por muitas honras e ambições alcançadas de qualquer animal. Neste aspecto, são de antologia as páginas 307 a 341. Que riqueza expressiva, que manancial de conhecimentos, que morfologia humorística! Acresce, devido a magnificência do vocabulário, a construção das frases que parecem buriladas diante dos nossos olhos, onde não encontrei uma gralha, um desajuste mínimo que fosse. Um português de catedrático (antigo), de alguém que ama profundamente a língua portuguesa e a reinventa para nosso gozo e estupefacção. Lendo-o aprendemos a difícil arte da escrita e, pela parte que me toca, muitos foram os momentos que pensei em Aquilo Ribeiro. Recomendo a sua leitura a todos os meus leitores.