Quinta, 24.
Eu sei bem por que passam os belgas
depois de atentados daquela envergadura. Passei por isso em Paris, em Novembro
do ano passado, e pude viver a experiência do medo e da impotência que varreu toda
a cidade, a impossibilidade de sair de casa, os olhos pregados na televisão e
os ouvidos na rádio horas a fio, as ruas vazias, o metro sem gente, os museus
às moscas, os cafés quase desertos, o pavor das sombras que nos seguem, a
desconfiança do próximo...
- Todos os anos, com a entrada da Primavera, vou-me a baixo. O corpo
parece não querer ajustar-se ao fulgor, à exuberância, à força que a estação
traz enxotando o frio Inverno. Não é só a cabeça que desnorteia, é também o
físico irradiando pequenas incapacidades, gemidos, rumores rangentes, sonos
soltos e aparvalhados, desânimo, conflitos íntimos. O quadro é-me por demais
conhecido, mas custoso de transpor. Ajudo como posso e posso pouco: toma de
magnésio, vitaminas, selénio, natação, bom humor.
- E no entanto, e no entanto. O campo está na minha frente banhado do
sol claro da manhã, do brilho da erva, das folhas das árvores, do rumor dos
lagartos, do canto do cuco. Parece que todo este mundo sensível, atira para
trás cobertores e lençóis, e ergue-se de cabeça aureolada de felicidade do chão
dos meses sombrios. Mas não quer fazê-lo só. Arrasta-nos também a nós na pressa
murmurante que não olha aos pequenos rumorejos do corpo langoroso sonhando
desgraçadas e prenúncios aziagos. “De pé, de pé” grita o sobreiro; “cabeça ao
alto” ordena o cipreste e perante o zombie que se arrasta indeciso, manda a
joaninha: “não fiques para trás. Entra na festa dionisíaca que organizámos para
glorificar os dias incandescentes banhados de felicidade e de luz e da poalha
incandescente dos estios.”
- No aquário aonde fui nadar, não havia mais nenhum peixe. No entanto,
foi como se nadasse ao lado do entusiasmo de outrora, quando corpo e alma se
interpenetravam em alegria e vigor.
- A roçadora, não obstante todo o meu
esforço, recusou trabalhar.