quinta-feira, março 24, 2016

Quinta, 24.
Eu sei bem por que passam os belgas depois de atentados daquela envergadura. Passei por isso em Paris, em Novembro do ano passado, e pude viver a experiência do medo e da impotência que varreu toda a cidade, a impossibilidade de sair de casa, os olhos pregados na televisão e os ouvidos na rádio horas a fio, as ruas vazias, o metro sem gente, os museus às moscas, os cafés quase desertos, o pavor das sombras que nos seguem, a desconfiança do próximo...

         - Todos os anos, com a entrada da Primavera, vou-me a baixo. O corpo parece não querer ajustar-se ao fulgor, à exuberância, à força que a estação traz enxotando o frio Inverno. Não é só a cabeça que desnorteia, é também o físico irradiando pequenas incapacidades, gemidos, rumores rangentes, sonos soltos e aparvalhados, desânimo, conflitos íntimos. O quadro é-me por demais conhecido, mas custoso de transpor. Ajudo como posso e posso pouco: toma de magnésio, vitaminas, selénio, natação, bom humor.

         - E no entanto, e no entanto. O campo está na minha frente banhado do sol claro da manhã, do brilho da erva, das folhas das árvores, do rumor dos lagartos, do canto do cuco. Parece que todo este mundo sensível, atira para trás cobertores e lençóis, e ergue-se de cabeça aureolada de felicidade do chão dos meses sombrios. Mas não quer fazê-lo só. Arrasta-nos também a nós na pressa murmurante que não olha aos pequenos rumorejos do corpo langoroso sonhando desgraçadas e prenúncios aziagos. “De pé, de pé” grita o sobreiro; “cabeça ao alto” ordena o cipreste e perante o zombie que se arrasta indeciso, manda a joaninha: “não fiques para trás. Entra na festa dionisíaca que organizámos para glorificar os dias incandescentes banhados de felicidade e de luz e da poalha incandescente dos estios.” 

         - No aquário aonde fui nadar, não havia mais nenhum peixe. No entanto, foi como se nadasse ao lado do entusiasmo de outrora, quando corpo e alma se interpenetravam em alegria e vigor.


         - A roçadora, não obstante todo o meu esforço, recusou trabalhar.