quarta-feira, março 16, 2016

Quarta, 16.
Que alguém me explique que tipo de democracia é a que se instalou no Brasil quando a Presidente Rousselff, para criar imunidade ao camarada Lula da Silva implicado no processo Lava Jato, o chama para ministro do seu governo. Dilma há muito que perdeu a credibilidade, mas agora habilita-se a perder o poder. Caranguejolas destas, lembram-me a Rússia de Putin e Medvedev.

         - Ontem, partindo do Bairro de Santos onde fui ao meu novo dentista, sob chuva forte, desci a pé até ao Campo Pequeno ao encontro do Carlos Neto. Há muito tempo que não estávamos juntos e foi por isso com satisfação que franqueei a porta do seu B&B. Felizmente para mim e infelizmente para ele, não havia nenhum cliente hospedado pelo que o tive inteiro para a cavaqueira farta de riso que nos segurou até à meia tarde. Pelo meio, na saleta acolhedora dos pequenos-almoços, as duas empregas nepalesas de um encanto irresistível, serviram-nos uma sopa e uma omeleta, acompanhada de um vinho alentejano e rematada com um bolo de chocolate feito pelo dono da casa. Eu se fosse rico, faria temporadas no seu hostel. Há dentro dos seus muros uma atmosfera de calma, paz, serenidade que faz de qualquer medíocre escritor um autor de renome. Corredores, salas, quartos estão como que enlaçados de luz. Pequenos rios de lâmpadas minúsculas serpenteiam por todo o lado e nas paredes muitas das telas do pintor que espero nunca deixe de ser. No topo, virado para a Avenida da República, estende-se um simpático alegrete que entra nas salas do fundo através das portas e janelas altas, rasgadas verticalmente sobre espaços sumptuosos de bom gosto. Pesados cortinados a tocar o chão, impedem a agressividade do sol, e o interior por isso no conforto que o sustem, torna-se mais cativante, propenso ao remanso das horas, à contemplação da arte que nos segue de sala em sala. O silêncio é total, límpido, com um assomo campestre que as duas raparigas vindas do sol poente transformam num convite à doçura da vida. As horas, ali, pasmam-se imobilizadas algures nas gargantas do tempo. Um gato ronrona, estirado e feliz, sobre a mesa de trabalho do meu amigo.   

         - Pourquoi l´homme est-il un être que éprouve – pour exister, pour se savoir au monde – le besoin vital, compulsif, de se poser la question du Non-Être, celle de sa propre finitude? La question de la transcendance, donc? A sábia pergunta é de Jorge Semprun, em L´écriture ou la vie, Pag. 104, Gallimard. É o contraponto à ideia de Heidegger, segundo o qual pourquoi y a-t-il de Être plutôt que rien. Semprun que era filósofo, acha a coisa insensata. Eu também.  


         - Nicolau Breyner morreu de ataque cardíaco aos 75 anos. Cruzámo-nos umas duas vezes, talvez. Era um homem fascinante, conversador, apaixonado, um actor único que não precisava de falar de sexo para ser imenso. Era também um crente fervoroso que não temia a morte porque sabia que a verdadeira vida começa quando deixamos este mundo. Descansa em paz. Que a Eternidade seja a confirmação daquilo em que acreditavas.