segunda-feira, janeiro 11, 2016

Segunda, 11.
Faleceu David Bowie. Até ao fim trabalhou e ainda há dias lançou o seu derradeiro disco enquanto lutava contra o cancro que o levou. Chamam-lhe camaleão, deviam chamar-lhe esteta. Porque tudo nele obedecia a um gosto refinado, à busca pelo perfeito. Homens como ele (e Michel Delpech que morreu há duas semanas) deviam ser eternos e de certa maneira são através da beleza que deixaram neste mundo. São os novos Beethovens, Mozarts, Waltons.  

         - Outro dia, Fernando contou-me que as coisas vão muito mal para os Autores. As editoras pagam mal e tarde, os bonecos televisivos, armados em escritores proliferam e tomam a dianteira dos que constroem uma obra baseada na descoberta e compreensão humana, na beleza das palavras, dos sentimentos e no estudo e criação de personagens com vida própria e transcendência real. Citou-me, inclusive, a situação de um dinossáurio que vende apenas mil e quinhentos exemplares. Contudo, nunca houve tantos escritores ou antes tanta gente a publicar. Se não é para arredondar a reforma, só pode ser por idolatria, convencimento, vanidade. Eu não imagino um verdadeiro escritor a escrever para ganhar dinheiro. Posso admitir que escreva para ganhar a vida, mas... fric, money! Pela razão simples: não podemos misturar duas coisas diametralmente opostas: o ordinário e o sagrado.


         - Se der crédito ao que me diz Fernando Dacosta a propósito da literatura sem lugar nem presença autóctone ou escatológica, que Saramago a dada altura utiliza e Natália Correia investindo sobre ele acusa: “Você está a querer projectar-se internacionalmente.” Eu, com Madame Juju, estou nos antípodas. Porque não só construo a história em Lisboa e Santa Cruz da Trapa, como as genealogias, a narrativa política e quotidiana são verdadeiramente portuguesas. Pode-se escrever um romance sem lugar, sem nomes, sem referências de relacionamento psicológico com a superfície vivencial – José Saramago fá-lo -, mas isso decorre de uma opção artística e não da obsessão de melhor ser compreendido e amado pelos leitores suecos, russos ou americanos. Pelo contrário, do meu ponto de vista, é um erro deixar a história planar sobre céus mineralizados, errando por galáxias sem identificação nem correspondência física e psicológica com as raízes de onde se levantou a existência e com ela as dores, os sofrimentos, as alegrias, os erros, as desilusões, os falhanços, as ambições, os crimes e os castigos que untam a pele humana e insensibilizam a alma. Se a realidade se identifica com a matriz civilizacional das personagens melhor e mais convincente se torna a obra e, portanto, a identificação com o tecido verídico do todo romanesco.