terça-feira, novembro 21, 2023

Terça, 21.

Outro dia, na cozinha, em frente ao aparelho de televisão que ofereci à Maria e voltou após a sua morte ao meu encontro, e trabalha quando lhe apetece, ouvi um médico dizer: “Temos de acabar com o misticismo da próstata.” Estremeci. Santa ignorância de um homem ainda jovem, que os americanos se o encontrassem na rua o convidariam a entrar num filme erótico, tal o seu ar, como direi, rústico e sólido de sensualidade.  

         - Almocei com o Carlos Soares. De seguida, dei um salto ao seu atelier na Lapa (melhor dizendo aos seus ateliers) para escolher uma escultura que ele faz questão de me oferecer e eu não quero aceitar. Carlos está a desfazer-se de vários espaços, porque a idade lhe vai pesando e as despesas mensais também. Que mundo! É impressionante o que acumulamos ao longo de uma vida, nos afeiçoamos às coisas materiais e por elas nos entregamos a toda a sorte de vaidades, desesperos, alienações, e no seu caso, paixões. As divisões, estão cheias de imagens religiosas dos séculos XVII e XVIII, muitas restauradas por ele enquanto especialista, outras carcomidas pelo tempo, quase desfeitas, mas dignas aos olhos do Mestre que as olha com devoção e familiaridade. O Moncada, velho antiquário, deve chegar em breve para varrer com os seus olhos entendidos no negócio, quanto vale tudo aquilo que para Carlos não tem valor material e apenas ao espiritual consagrou a vida. Há esculturas em talha dourada, pedras antigas, pedaços de colunas romanas, ornatos de velhas igrejas, Cristos dilacerados, milhares de peças em ferro para trabalhar a madeira o seu ofício principal, bandolins, um contador do séc. XVII encostado a uma parede a cair, arcas, livros, peças em ferro enferrujado para os mais incríveis trabalhos, madeira, muita madeira que ele me quer oferecer para a lareira e eu fiquei de lá retornar para a trazer... No final ante muitas hesitações, depois de ver algumas das suas esculturas em madeira, acabei por aceitar (sem escolher) aquela que ele me ofereceu e vou limpá-la para a expor com orgulho numa das paredes desta casa consagrada à arte. 

         - Disse José Luís Carneiro: “Quero felicitar o ministro das Finanças, porque a notação financeira do país é muito positiva e representa um sinal de confiança dos investidores no país. Esse sinal de confiança é fundamental, quer para financiar as condições de desenvolvimento, quer para manter o estatuto de Portugal como um país que honra os seus compromissos internacionais. Isso é essencial para valorizarmos salários e rendimentos.” Começa mal o meu candidato. Este elogio em troca do apoio de Fernando Medida, cai mal porque não tem em conta que, se o país tem “contas certas”, é graças à miséria que o PS instalou como natural e à aposta que António Costa fez no seu prestigio lá fora. Nem um nem outro, trabalharam para desenvolver o país, só se ocuparam de três grandes negócios que nós vamos pagar com os nossos impostos e de língua de fora e cavando ainda mais o fosso entre ricos e pobres.   

         - E por favor, calem-se com essa merda de saber quem chamou a Belém a Procuradora Geral da República e falem apenas do que é essencial para o país: saúde, desenvolvimento, escolaridade, dignidade humana, fim da pobreza e da corrupção. Sejam adultos e sérios. Desçam dos pedestais que não vos pertencem e encarem a realidade: vivemos numa república e em democracia. Reduzam-se à vossa insignificância. Bem sei que custa perder o poder e ficar afastado do tacho, mas nem um nem outro são propriedade de alguém.