quinta-feira, novembro 23, 2023

Quinta, 23.

Antes que me esqueça, é meu dever deixar plasmado nestas páginas, o modo de falar dos nossos dias, ensinado por políticos, deputados, jornalistas, meninas e meninos formados em diversas faculdades, vedetas de televisão e áudio-visual, comentadores que os há por atado, e mais não sei que rebanho de palradores que sempre surge do nada:

Já alguns anos a esta parte...  

Estamos em Guimarães aqui faz sol. 

Em Braga aqui vai haver chuva. 

O que é que é que está ali? 

Onde Bata a Sombra título de um dos meus diários publicados, numa próxima edição, vai 

passar para Onde é que Bate a Sombra 

Mas, sim, era isso que queria dizer... 

Qual é que é a forma de... 

Etc. Etc. Etc. O “misticismo da próstata” até é engraçado (ou falando o português moderno) até que é engraçado ao lado destas sumidades. 

         - Para o que me deu! Fui encontrar um dossier espesso numa gaveta que desconhecia ou havia esquecido completamente, perdido no fundo da memória onde o tempo se resguarda e resguardando conserva o que de todo não devíamos olvidar, pese embora a pouca importância que as coisas têm para as nossas vidas. A pasta, volumosa, continha um pedaço da minha vida de escritor (saiu assim, assim ficará), com críticas e resenhas aos meus romances, ensaio e diários. Reli uma boa parte do que os jornais disseram de cada livro e a dada altura parei, estupefacto, ante a importância que me atribuíam. Que pouco ou nada me excitou, salvo uma entrevista que dei ao O Diário, na forma do inquérito de Proust. Que arrojo da minha parte! Que orgulho na viagem solitária que havia sido a minha até então! E também apreciei, grosso modo, o sentido estético que me parece ter sido entendido por todos, ao ponto de nenhum deles dizer que o que escrevi era medíocre. Pelo contrário. Muitos realçaram o romancista sólido e apontavam o interesse do que publiquei por parte da opinião pública. O que afirmei no inquérito do O Diário, hoje é moeda corrente de editores que vendem livros como quem vende sacos de batatas. E na fúria de arranjar dinheiro, obrigam os autores e entrar com uma boa quantia para que o livro seja publicado. Eu já nessa altura (1987) me recusava a entrar nesses negócios mafiosos. Pagar para trabalhar, onde é que já se viu? Em Portugal, claro. E não falarei hoje da televisão. Que bom estar arredio de todo esse mundo, cumprindo-me em liberdade plena, sem precisão de bajular os medianos instalados por todo o lado.  

         - Curiosamente, no Governo de António Costa, o SNS caminha para o abismo. Um ministro e um adjunto estão há dois anos a tentar convencer médicos e enfermeiros, auxiliares e utentes, que o organismo é para continuar, apesar do desacordo e competência dos seus gestores governamentais. Assente nisso, nunca se abriram tantos hospitais e clínicas privados. O negócio da saúde vai de vento em polpa. E vale tudo. Um exemplo. Quando há três semanas tivemos de levar a minha assistente operacional (enfim, que chique!) ao Hospital da Luz, o médico que a atendeu devia ter ordem para chupar o máximo. De contrário, como se explica para além do tac, a bateria de exames que não ficaram prontos na hora e o neto teve de os ir buscar uns dias depois. No final, passa para cá 400 euros! Graças ao senhor Costa, é só facturar. E no embalo ganham todos. Porque muitos clínicos trabalham no privado. Morra quem tiver que morrer – o meu já cá canta. E as negociações continuam. Olé!