Domingo, 5.
Não sai dos noticiários porque se radicou nas consciências. Falo da guerra israelo-palestiniana. Os israelitas começam a desabrochar para a culpabilidade de tudo o que aconteceu e não perdoam ao seu primeiro-ministro Benjamim Netanyahu, dito Bibi. Ouvem-se protestos em Jerusalém com estes slogans: “O meu nome é Bibi, o assassino”, “Prisão, agora”, “Demissão, agora”, “Responsáveis e culpados”.
- Dá que pensar, é assustadora e interroga-nos sobre a vida a proposição dos líderes do HAMAS: “Nós somos mais fortes porque glorificamos a morte, enquanto vocês glorificam a vida.” Para mim, tanto a vida como a morte, são sagradas e como tal, sobrevivendo uma sem a outra ou sendo uma dependente da outra, ambas contam para o que de eterno se concilia nas duas.
- Porque os furacões agora têm nomes, dobremos a língua e chamemos-lhes pela linhagem para o caso Ciarán. Pois este sujeito andou por toda a Europa a fazer estragos de monta, lançando o pavor por vários países incluindo Portugal, França, Itália, Espanha, Alemanha. Morreram pessoas em todos os territórios por onde passou e em Paris, a grande árvore que eu sempre conheci no vasto jardim da casa da Annie, foi derrubada destelhando o telhado da casa.
- Não suporto génios. Prefiro dar-me com pessoas normais, que são geniais levando a vida difícil que hoje as submerge, educadas e simples. Por isso, levantei amarras depois de uma curta discussão, que traduziu o desprezo que sempre nutri e nunca escondi pelos seus bonitos desenhos, as suas opiniões incultas e o seu saber vomitado, recolhido no Facbook a sua bíblia diária. “Tu não és nada”, atirou ele. Nesse dia, lembro-me, ia ao encontro da Alzira com quem almocei no restaurante do C.I. bem e a preço convenable. Pensava como pôde sair de uma cabeça formatada tal verdade que se aplica a nós todos menos a ele. E logo me ocorreu o poema de Álvaro Campos A Tabacaria que fui a balbuciar rua abaixo e tive de o decorar para a gravação do recital na Valentim de Carvalho, com a orientação do meu colega do jornal e amigo António Carlos Carvalho. Não resisto a transcrever alguns excertos do poema e peço desculpa se algum verso sai tresmalhado, trinta anos depois do trabalho realizado para o Estúdio 444, hoje transformado numa garagem de automóveis.
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua atravessada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada do nada.
Mais adiante:
(Come chocolates, pequena suja;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)