quarta-feira, setembro 28, 2022

Quarta, 28.

Apesar de me ter sido muito duro de ler, o livro de Anna Politkovskaya ensinou-me deveras sobre a Rússia e o seu presidente. Um homem tenebroso, desumano, tirano, verdadeiro criminoso que não sei como pôde iludir tanta gente não só entre os comunistas portugueses, como entre dirigentes políticos com responsabilidades a nível europeu. Bem sei que na origem dessa simpatia de plástico, esteve, estão sempre factores económicos, jogos de interesse comandados pela corrupção que leva a palma sobre causas sociais, políticas, ambientais e outras. No caso dos comunistas é ainda mais bizarro, vê-los a apoiar um capitalista sinistro, mais hediondo que todos os seus congéneres americanos, um regime opressivo, um grupo de oligarcas que subjugam milhões e reduzem as leis a meros apetrechos das suas ganâncias. Repare-se nesta passagem, (pág. 352): “O hábito de nos considerarmos “pessoas insignificantes” é como o botão vermelho da mala nuclear do presidente – basta que o prima e o país está nas suas mãos.” Um Diário Russo é um breviário de terrores. Desde que comecei a lê-lo evitei trazê-lo aos meus leitores, por mim e por todos os que defendem a liberdade e acreditam que cada vida é um hino divino, uma graça experiencial que nos foi outorgada. “Aquilo a que Lenine chamava “chauvinismo vulgar de grande potência”, de que sofre Putin, está de novo na moda.” Eu ouvi inúmeras vezes esta citação da boca de colegas jornalistas e de amigos de esquerda nos tempos da ditadura, mas arremessadas por Politkovskaya contra Putin é recontextualizar a verdade coisa que eles não admitem. 

A fuga à mobilização forçada na Rússia 
       

          - Deu-se o caso de ontem no Corte Inglês ter-me dado na fraqueza um relógio de pulso de uma beleza tentadora. Ainda mais quando a funcionária, uma negra lindíssima, agradável, delicada (que me redimiu das outras da sua raça que encontro no Fertagus), ter-me posto o objecto no pulso. Hesitei em comprá-lo, mais a mais porque o Dr. Gambeta me arruinou e a vaidade nunca foi apanágio para mim. Pelo sim, pelo não, pergunto o preço: 1499 euros! Senti de imediato o fogo a subir pelo braço e devolvi o objecto sedutor como um corpo juvenil e provocante que por nós se cruza e por magia nos devolve os nossos nostálgicos vinte anos... 

         - Fui visitar o Fortuna e passei para cima de uma hora com ele e com a mulher. Ambos muito fragilizados, a velhice rondando o resto de energia que ele ainda apregoa, mas que não acompanha o artista fantasista que ele foi. O atelier-museu, espécie de mausoléu, erguido depois de ter perdido o espaço com o seu nome, à entrada de Palmela, isto é, nos últimos dois anos, cresceu em dimensão, mas temo que ele não consiga ver a obra terminada. Porque o que está em execução, para qualquer pessoa com metade da sua idade (ele fez, julgo, 86 anos), é já um trabalho de monta. Obcecado como sempre foi, seguindo os seus sonhos sem olhar a ninguém nem a nada, não se dá conta que o peso dos anos se instalaram, não lhe dando tempo para os pôr em execução. Saí triste da visita, porque enquanto falava com ele, revi a minha própria existência quando aqui cheguei e logo o apoiei no projecto que acabou por perder devido ao seu modo de ser impulsivo. Ele e a mulher que tanto sofreu a seu lado e de tudo ele a privou, são um casal por quem tenho estima e na medida do possível gostaria de ajudar.