quinta-feira, junho 03, 2021

Quinta, 3 de junho.

Eis dois pedaços de prosa separados por um século. Este de Fialho d´Almeida, escrito em 1910: “Certos presidentes da república, que são monarcas a dias, nesta época em que as guerras são mais de bolsa que de exércitos, e em que para os indivíduos até os códigos de honra preconizam, em vez de duelos, indemnizações pecuniárias.” Saibam quantos..., pág. 88-89, Ed. Livraria Clássica Editora, 1924. 

Ou este, do escritor britânico Julian Barnes em entrevista a Isabel Lucas: “É sempre perigosa a noção de que um homem forte é a resposta a uma crise democrática. (...) Até que ponto um governo pode ser processado por assassínio? Podem continuar sem problemas não tendo tomado precauções, não tendo tomado as decisões certas, fazendo coisas estúpidas e egoístas, assinando contratos com amigos do governo que não têm competências provadas e produzem máscaras falsas? Há tantos indícios de corrupção à volta do que tem sido feito com a covid. Por outro lado, é maravilhoso como o sistema de saúde se tem portado. Os médicos, os enfermeiros, os auxiliares estão cansados e muito zangados com o modo como os políticos os têm tratado.” Os meus leitores mais atentos e com memória sólida, lembrar-se-ão que estas mesmas dúvidas e certezas já eu aqui as expressei por várias vezes, para não falar das comorbidades das suas vítimas. 

         - Acerca do tema, a resposta do primeiro-ministro ao susto pandémico durante a final da taça não sei de quê no Porto, depois de ter andado a fugir dias às perguntas dos jornalistas, a resposta que deu foi um espanto de irresponsabilidade, imprópria para o cargo que exerce. Daí que o senhor “penso eu de que” o tenha convidado a demitir-se. O chefe do FCP está lixado – o homem não lhe perdoa. 

         - Outro dia pegou-se-me uma saudade profunda de Simone de Beauvoir. Logo subi à biblioteca de cima e trouxe o livro La force de l´âge e durante todo o serão, revi sublinhados e comentários que fiz no livro de 700 páginas. Comprei-o, em Paris, em 1968. Esse era um tempo em que havia verdadeiros intelectuais, gente que remava contra a maré, era a consciência do povo e a da sua época. A França e a Inglaterra tinham muitos de referência que nada têm a ver com os papagaios dos nossos dias, que escrevem livros por encomenda, pequenas histórias que a mim me dão sono, mas os editores dizem ser aquilo que os leitores gostam. Pois que lhes façam muito bom proveito. Enquanto eu tiver uns 10 mil livros aqui para ler e reler, não tenho curiosidade em perder o meu precioso tempo com histórias mal escritas de lana-caprina. Não leio para passar o tempo, “para me distrair”, leio para aprender, conhecer, irmanar-me com os seus autores, acompanhar o tempo que me coube viver, elevar-me em espírito às coisas que autenticamente nunca estão resolvidas e abrem brechas cavadas no nosso ser.  

         - Toda a semana numa correria maluca para Lisboa. Pareço aquelas velhas desocupadas que coleccionam hospitais e médicos. Amanhã lá voltarei ao dentista. Ontem, tendo entrado no dos Capuchos às nove, só saí perto do meio-dia. Um horror! Fui de seguida ao encontro do João Corregedor com quem almocei no Adega da Mó completamente vazio. O dono lamentou-se-nos a falta de clientes, nacionais e estrangeiros. Este choro ouço-o por todo o lado, em conta-corrente com o entusiasmo de António Costa e Marcelo. Que acabaram de de confinar o país, isto apesar do número de novos casos por infecção estar a aumentar em Lisboa e grande Lisboa. A economia oblige. Também ontem a balbúrdia era imensa devido à greve dos transportes. Fui daqui no Fertargus verdadeira lata de sardinha. A Covid-19 a espreitar cada corpo para se instalar. Mas penso que as pessoas são mais lógicas e prevenidas que Costa; desistiram de frequentar restaurantes, espaços apertados, e por agora fazem uma vida diferente. É esta a impressão de quem frequenta o povo, os seus lugares, os seus ritmos. O resto é política que não bate certo com a realidade. O Reino Unido já pensa de novo em manter restrições a quem chega de Portugal. Vamos ver por quanto tempo o governo vai sustentar os seus delírios. Prazer imenso, imenso por não ter deixado este paraíso um segundo hoje e ter ficado horas colado à beleza luminescente das hortênsias.