terça-feira, fevereiro 23, 2021

Terça, 23.

De que se fala agora neste maravilhoso país à beira mar plantado? De“desconfinamento”. Bastou uma ligeira melhoria nos números adstritos à Covid-19, para logo uma plêiade de médicos, cientistas, professores, políticos, advogados, enfermeiros, virologistas, gente dizem qualificada aparecer ou retornar com vaidade e importância aos ecrãs de televisão a impor o de confinamento. Ouvi até um senhor doutor, por conseguinte formado numa universidade, a dizer que os portugueses deviam “ ser aderentes” o mais possível às normas impostas pela DGS. Marcelo que, enfim, está um homem equilibrado, recatado, aparecendo o necessário, espero não altere aquilo que afirmou há duas semanas a saber: continuação das normas vigentes até hoje. A tónica vai para a abertura das aulas ao 1º e 2º ano. Esquecem-se que com a criançada, alça para a rua centenas e centenas de pais, avós e auxiliares de educação e, de repente, temos o vírus a esfregar as antenas  de contentamento. 

Há neste universo todo um mundo de interesses, pragas, lágrimas e bênçãos fazendo jus às nossas raízes dúbias, santificadas por mais de um século de regras e doutrinas religiosas que, no limite, apenas desresponsabilizaram a massa amorfa da nação. À conta dos meninos, coitadinhos, que não devem parar a sua formação porque o país precisa deles e eles “são o futuro” deste povo eternamente lamechas, que trata as crianças e os velhos como se fossem mentecaptos. Diz-se até por aí, que os velhos são crianças, embora não se atrevam (ainda) a afirmar que as crianças são idosos retardados na infância. Evidentemente, para mim, não vai mal ao mundo nem aos mais pequenos em atrasar por um ano aquela massa de informação que as creches e as escolas entornam para o cérebro dos petizes. A questão é outra. Um mundo de gente ganha a vida com organizações que mais não são que lugares onde as crianças ficam enquanto os pais vão ganhar a vida e a actividade industrial e comercial pontua para os impostos e o “progresso” da nação. A toda esta amálgama de gente, pouco interessa se o coronavírus mata, fere ou condiciona a vida futura de todos. O importante é que as estruturas pessoais e públicas, não sejam beliscadas e cada um possa prosseguir a sua vidinha na senda cadenciada do quotidiano familiar e pequenino. Outra história que alimenta a fantasmagoria dos nossos educadores, é o padrão psicológico, o desarrumo dos meninos, o que irá acontecer nos seus cérebros frágeis, que futuro terão eles. Este é o universo dos psicólogos. Existem tantos e com tanta sabedoria, que devia ser impossível aos homens e mulheres de amanhã, serem afectados por uns meses distantes daqueles pilares sólidos que são a educação, a protecção à infância, os traumas e as carências afectivas que a pandemia veio trazer. Falam como se os culpados do SARS-CoV2 fossem os governantes e deles exigem tudo o que eles não querem perder, pouco preocupados com o destino dos seres que têm a cargo e num sentido mais lato a população em geral, a família de cada um e as outras que compõem o mapa português. A tagarelice é tanta, o coro de entendidos despe a capa dos conhecimentos na praça pública, que diria serem os agoureiros da feira de Pedrógão Grande. As duas meninas mandonas do BE, ao lado desta turba, passam por aprendizes de feiticeira. 

         - O Público traz uma carta aberta assinada por 42 pessoas dos muitos ramos profissionais e classes sociais. Insurgem-se os assinantes contra aquilo a que eu venho pregando há anos nestas páginas: o jornalismo espectáculo, desumano, atentatório da dignidade pessoal. Eu que fui um deles, nunca de forma alguma o meu chefe de redacção me permitiria exercer a actividade do modo como hoje vejo praticar a meninas e meninos idiotas, que estão ali não para informar, mas para debitar conceitos pessoais de natureza partidária, política, moral e sexual. É o jornalismo barato, pago à hora, bichanado pelas centrais dos partidos, onde o mais dramático e o que entra na fragilidade humana e se expõe à avidez mórbida do espectador, é o que deve ser serviço ás manjedouras dos auditórios caseiros. 

         - Todos os serões de lareira acesa. Hoje o dia abriu as suas asas de luz e os raios de sol jorraram sobre o campo coberto de um tapete verde intenso. Saí de manhã para algumas compras. Não falei com ninguém, salvo as pessoas que fui encontrando no caminho do super. 17 horas e trinta e três minutos.