quinta-feira, fevereiro 04, 2021

Quinta, 4.

Há alguma indignação em certos meios com a chegada de médicos, enfermeiros e maquinaria germânica aos nossos hospitais devido à aflição em que eles se encontram. A mim isso não me desconcerta e acho até meritório por parte da UE a ajuda de modo a colmatar o desprezo que a União sempre teve por nós. Por outro lado, o país democrático, sempre esteve vulnerável, pedinchão e pobre não conseguindo sobreviver com sua dimensão e trabalho. Temos uma classe política sem fôlego, medíocre, muito assente na plataforma partidária, num país onde não faltam doutores, engenheiros e advogados, que juntos tudo têm feito para que a confraria continue e seja o pilar de toda a sociedade. Vivemos felizes de futebol, concursos, telenovelas, e idas a Fátima duas vezes por ano. Mas isto só dá de comer a uns quantos, o resto do rebanho contenta-se com migadas e de quando em vez revolta-se, brandamente. Aí os nossos espertos políticos mendigam ajuda financeira a este e àquele, numa espécie de exercício do empurra os problemas com a barriga anafada que todos têm. No íntimo, querem que Portugal continue pobre, analfabeto e humilde. Com um povo assim amestrado, é mais fácil manter a nomenclatura oligárquica.  

         - De modo que a ida ao Hospital dos Capuchos. Grosso modo, vi que as disposições de defesa contra a Covid-19, estavam bem pensadas. Mas antes temos que enfrentar aquela fila de senhoras, todas parecidas umas com as outras, com o mesmo tom e sotaque de voz, os mesmos óculos, os mesmos peitos, o mesmo semblante carregado de frustração, com instruções para se restringirem ao ecrã do computador que mal sabem usar. São quem nos atende. Para não falar no hospital que parece saído dos escombros da Primeira Grande Guerra: desconfortável, frio, pardacento, labiríntico, de pedra comida por ácaros e vírus, ódios e mortes, ranchos de fantasmas. A dama que me atendeu, começou por me dizer que tinha de voltar no dia seguinte porque a consulta fora marcada para quinta-feira, hoje portanto. Insisti que essa não fora a data que a voz espanhola me forneceu. A criatura não se demovia, eu persistia que não voltaria no dia seguinte, os tempos não estavam para passeios aos hospitais. Surge então a chefe já com o discurso treinado e num tom conciliador, diz-me que vou ser recebido para exame sem demora, adiantando, contudo, que o dia combinado era o 4 e não o 3. “Tem a conversa que tive com a voz espanhola gravada? Não tenho, mas falei com a funcionária. Pois devia ter, assim veria quem tem razão.” Desço um piso térreo e entro num espaço diminuto onde estão duas pessoas a aguardar. Como tudo aquilo era claustrofóbico, saí para o terreiro onde havia cadeiras para nos sentarmos. Aí fiquei por largos minutos. Até que ouvi o meu nome e me dirigi à saleta de uns 6 metros quadrados onde estão dois técnicos de optometria. Sento-me numa e noutra máquina, fazem-me várias perguntas de carácter geral sobre a minha saúde, anotam tudo no computador e depois mandam-me tornar à mesma funcionária para marcar a data da consulta com o Dr. Deslandes. Lá a vejo com o seu ar sorumbático, que me atira:

         - Segunda-feira, às oito da manhã.

         - Não sou nenhum magala e não vou acordar de véspera para me meter no trânsito.     Não tem outra data?

         Ela pesquisa de beicinho entortado.

          - Sexta, dia 10, às nove horas.

         - Não há um horário mais normal? – pergunto, seguro.

         - Não. Só temos este – diz num tom autoritário.

         - Nesse caso veja para daqui a um ano e até dois porque quem esperou ano e meio pode esperar outro tanto. E saiba que a mim ninguém me dá ordens – sugere apenas.

         Danada, dispara:

         - Para o próximo mês, às 10 horas num domingo – diz pensando que me castigava.

         - Perfeito. Adoro a calma dos domingos.

Esta questão tem, todavia, uma outra: antes, em tempo normal, o oftalmologista fazia o exame de uma vez só, passava a receita e a nós cumpria-nos adquirir os óculos. Agora em tempos de pandemia, temos de ir ao hospital duas vezes. A isto chamam eles uma nova organização. Dizem-me que este processo pretende despistar várias patologias como a diabetes. Estamos conversados. 

         - Dali, fui ao Vitta Roma comprar o jantar. Atravessei a cidade com à-vontade, embora a sua teia de ruas e praças, com sentidos agora proibidos ou de traçado único,  me obrigasse a ter mais atenção. Como deixei de ter prática em conduzir naquele inferno inumano; bastou, contudo, duas idas de carro para logo retomar o meu ADN de alfacinha. Alfacinha que lá vai colher o que ela tem de melhor e logo voa em corrida maluca para o sossego do campo. A cidade assim torna-se mais apetitosa e todos os seus inconvenientes desaparecem com a leve recordação que estamos ali de passagem, percorremos ruas e avenidas, como quem viaja na forma de turista aconchegado ao regozijo da partida. 

         - O sarrabulho com as vacinas, não pára. O funcionário do PS, senhor Francisco Ramos, chamado para dirigir a task force  da vacinação (como somos ingleses é assim que os provincianos se exprimem) demitiu-se na sequência da aldrabice, compadrio partidário, corrupção e abuso de poder que tem deixado o país atónito. O Governo vendeu-nos uma imagem do dito senhor, nos píncaros da competência e seriedade, e no final o que a realidade nos oferece, posta de lado a propaganda, é um homem sem qualidade e cheio de alçapões por onde se imiscui a sua adoração à esquerda quando, o que se pretendia para o cargo, era alguém independente. Aconselho a leitura do artigo de José Miguel Tavares no Público de hoje.